São Paulo - O ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores da Operação Lava Jato, deu declarações à Procuradoria-Geral da República que confirmam um depoimento do lobista Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano. Cerveró afirmou que ele e Baiano receberam, cada um, US$ 300 mil em propina na venda da transportadora de eletricidade Transener.
Segundo os dois delatores, entre 2006 e 2007, houve um acerto para que a venda da Transener fosse desfeita com um grupo americano para, então, ser direcionada à empresa argentina Electroingeniería.
Em 2006, a Petrobras havia fechado um acordo para vender sua participação de 50% na Citelec, sociedade que controla 52,65% da Transener, ao fundo de investimento americano Eton Park. O governo argentino, no entanto, não aprovou a operação, e a Petrobras acabou vendendo sua participação à estatal Enarsa e à Electroingeniería por cerca de US$ 54 milhões.
À Procuradoria, os delatores deram informações do veto do governo argentino à venda da Transener ao fundo americano e a posterior negociação com a empresa argentina. Neste documento, Cerveró não falou de nenhum político. Em sua delação premiada, Fernando Baiano citou parlamentares e detalhou a suposta negociação da Transener.
Segundo o delator, o lobista Jorge Luz operacionalizou "os valores para o pessoal do PMDB". Baiano disse acreditar que "o negócio da Transener" chegou a Jorge Luz por meio do deputado Aníbal Gomes (PMDB/CE) ou por intermédio do o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau (2005/2007-Governo Lula). Fernando Baiano citou ainda os senadores Renan Calheiros (PMDB/AL) e Jader Barbalho (PMDB/PA).
Cerveró afirmou que desde o início do governo do presidente argentino Nestor Kirchner, o chefe do Executivo fazia "muita pressão" para que a Petrobras vendesse a Transener. Segundo o ex-diretor, em várias reuniões que ele manteve com o então ministro Julio de Vido, de Energia e Infraestrutura, o argentino considerava estratégico o controle das linhas de transmissão.
"Seguindo as instruções, fechamos negócio com a empresa americana para a venda da Transener, aprovada por Julio de Vido. O acerto com a empresa americana e o ministro já havia sido feito, mas o amigo da Electroingeniería forçou a barra e o ministro desfez o negócio", relatou Cerveró.
Segundo o ex-diretor, o ministro Julio de Vido o convocou "pessoalmente ao seu gabinete" e determinou que a venda fosse feita à Electroingeniería. "Vale destacar que as minhas reuniões com o ministro Vido eram somente (entre) nós dois e (que ele) despachou decreto proibindo a venda para a empresa americana", disse.
Negociação
Em seu termo de delação nº 09, Baiano relatou que "entre 2006/2007" foi procurado pelo lobista Jorge Luz, representante da Electroingeniería, interessada em comprar a Transener. Na ocasião, segundo o delator, Cerveró havia dito a ele que "achava muito difícil" reverter a venda da Transener para a Electroingeniería, "pois o negócio já estava fechado com o grupo americano".
"Inclusive este grupo americano já havia feito uma parte do pagamento, restando apenas a aprovação do governo argentino para que o negócio fosse fechado definitivamente", disse Baiano, afirmando, também que Cerveró havia lhe dito que "a única forma de este negocio não ir adiante era se o governo argentino não aprovasse a venda da Transener para o fundo americano."
De acordo com Baiano, Jorge Luz lhe disse que quem havia levado a Transener a ele era "uma pessoa muito influente junto ao governo argentino, que inclusive tinha sido ministro no governo Menem". Esta pessoa era o ex-ministro de Planejamento Roberto Dromi, disse o delator no seu depoimento, ressaltando que este "foi o ministro mais forte do referido governo e, inclusive, todas as privatizações que houve nesta época foram conduzidas pessoalmente por ele."
Baiano relatou à Procuradoria sobre reuniões em que ele participou com Dromi, o filho Nicolas Dromi, Cerveró, e Jorge Luz, no Rio. Um dos encontros, disse, "foi ou no hotel Copacabana Palace, onde Roberto Dromi estava hospedado, ou na casa de Jorge Luz".
"Nesta conversa o depoente relatou o que Cerveró havia lhe dito e Roberto Dromi disse que teria como intervir junto ao governo argentino para que este negasse a aprovação da venda da Transener para o fundo americano", disse Baiano no depoimento, afirmando, ainda, que "Dromi comentou que tanto ele quanto os donos da Electroingeniería eram muito próximos do governo Kirchner e que, por isto, poderiam intervir junto ao referido governo", afirmou Baiano.
Segundo o delator, outro encontro ocorreu na Petrobras e mais alguns em Buenos Aires, onde ele disse ter ido "mais de uma vez" para tratar do tema, em especial do pagamento das "comissões". "Teve reunião, também, com os donos da Electroingeniería, para tratar do tema da "comissão"; que esta reunião com os donos da Electroingeniería foi na sede desta empresa", afirmou.
Cerveró e Baiano citaram também um almoço no hotel Four Seasons, em Buenos Aires. O ex-diretor da Petrobras afirmou que o encontro foi intermediado por Roberto Dromi e Jorge Luz. Neste encontro, segundo os depoimentos, "ficou acertado o interesse da Electroingeniería na Transener, que acabou se concretizando."
Fernando Baiano ficou preso durante um ano e deixou a cadeia, no Paraná, em 18 de novembro. Cerveró está preso na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, base da Lava Jato. O ex-diretor da Petrobras foi capturado em janeiro de 2015.
Ambos já foram condenados em processos na Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro. Em uma das ações, o juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava Jato na primeira instância, impôs 12 anos e 3 meses de prisão para ex-diretor da Petrobras.
O lobista pegou 16 anos. Em sua primeira condenação, Cerveró foi condenado a 5 anos de prisão pelo crime de lavagem de dinheiro na compra de um apartamento de luxo em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.
Defesas
Em seu Twitter, o ex-ministro Julio de Vido afirmou que não conhece Jorge Luz e Fernando Baiano. "Nunca vi na minha vida e não sei que gestões podem ter realizado."
Na manifestação, Julio de Vido declarou. "Eu sei que, graças à decisão política de N. Kirchner, poderíamos defender o interesse nacional e evitar a "estrangeirização" da Transener. Isto permitiu que pudéssemos encarar a maior expansão de linhas de energia, com a construção de 5.500 quilômetros de linhas de alta tensão ligados a 13 províncias, alguns como a Patagônia ou Formosa foram incorporadas ao sistema nacional pela primeira vez."
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) nega qualquer envolvimento no esquema investigado pela Operação Lava Jato. Sem mencionar o caso específico da negociação da Transener, a assessoria do parlamentar enviou notas sobre outros detalhes revelados por meio de delações premiadas.
O senador reitera que "jamais autorizou, credenciou ou consentiu que terceiros falassem em seu nome em qualquer circunstância ou em qualquer lugar" e diz estar à disposição da Polícia Federal para prestar informações.
O senador Jader Barbalho também se defendeu. "Em 2006, época a que se refere Fernando Baiano, eu não era senador. Não conheço Fernando Baiano. Nunca participei da venda de nada que não fosse meu", afirmou.