Em meio à polêmica envolvendo a Medida Provisória 703, que altera a Lei Anticorrupção nas empresas ao regular os chamados acordos de leniência, estão em jogo milhares de ações de improbidade administrativa que tramitam nos tribunais brasileiros. Isso porque a redação da MP libera a possibilidade de transação ou acordo nesse tipo de infração, antes vedada por lei. Na prática, a nova regra representará a extinção de processos já em tramitação ou a proibição de futuras medidas judiciais. Para se ter uma ideia, levantamento do Ministério Público Federal mostra que entre 2013 e 2015 foram ajuizadas em todo o país 5,5 mil ações de improbidade e instauradas mais de 20 mil investigações. Até o primeiro semestre do ano passado, foram 300 processos propostos e 6.118 procedimentos de investigação abertos. Na Justiça estadual, em 2012, eram 13.070 ações tramitando.
Esse, aliás, é o argumento usado pelo governo na justificativa de apresentação da MP 703: o objetivo é destravar a economia, permitindo que empresas suspeitas de corrupção que colaborarem com investigações tenham acesso a financiamentos públicos e fiquem imunes à pena de multa prevista em lei. A alegação não convenceu o procurador da República em Curitiba Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da força-tarefa da Operação Lava-Jato. Recentemente, ele declarou publicamente que a MP 703 é um “retrocesso” e demonstra que o governo não tem interesse em combater a corrupção.
O advogado e professor José Alfredo Baracho de Oliveira Júnior faz parte do grupo de contrários à MP 703. Para ele, as sanções cíveis para quem praticou um ato de improbidade administrativa são tão importantes quanto as criminais (que não são tratadas na MP 703). “A restrição ao infrator tem que ser a mais ampla possível. Como os processos criminais geralmente são mais longos, as consequências cíveis normalmente são mais rápidas. Quando a gente vê um cenário de reiterados e diversificados atos de improbidade, não me parece oportuno abrandar as sanções”, avalia o jurista. Baracho não tem dúvidas de que a conversão do texto da MP em lei terá impacto negativo no combate à corrupção no Brasil.
RACIONALIDADE
Do outro lado da balança, está Rafael Maffini, advogado e professor de direito administrativo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e da Fundação do Ministério Público (FMP). Na avaliação dele, a MP veio para racionalizar o acordo de leniência, seguindo uma tendência dos países europeus, e dar garantias àquele que aderir à medida. “A MP altera a legislação de uma forma muito positiva, para que todos os órgãos que se sentarem à mesa sejam obrigados a cumprir o acordo de leniência”, justifica. Até então, segundo ele, uma empresa pensava duas vezes antes de colaborar com informações.
O professor Rafael Maffini rebate o discurso de que a nova regra favorece a corrupção ao flexibilizar as penas impostas para empresas que participarem de atos de improbidade. “O acordo de leniência prevê que todas as partes tenham vantagens. É preciso lembrar que a empresa vai contribuir muito passando informações que demandariam tempo de investigação. E o órgão público vai trocar a contribuição nas investigações por penas mais leves”, alega.
O advogado e doutor em direito administrativo Tarso Duarte de Tassis ressalta que o acordo vai estabelecer quais as exigências e sanções impostas à empresa infratora pelas leis anticorrupção e de improbidade administrativa. “No acordo, você assume determinada culpa, evitando o processo judicial, que demanda tempo e custo”, afirma. Tarso Duarte pondera ainda que a medida é semelhante aos acordos tributários firmados entre devedores e o poder público. E permite a sobrevida da empresa, que, em última instância, é importante para a geração de emprego e renda.
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Acordo de leniência
Originado do direito norte-americano, consiste em um acordo entre o acusado de um ato ilícito e os respectivos órgãos responsáveis pela investigação e punição. O infrator deverá fornecer informações que ajudem a prevenir ou reparar dano ao interesse coletivo, além de indicar envolvidos no crime. Como recompensa, pode ter a extinção da ação punitiva da administração pública ou redução da penalidade prevista. A diferença entre o acordo de leniência e delação premiada é que o primeiro é celebrado por órgãos administrativos do Executivo, enquanto o segundo é homologado pelo Judiciário, com a participação do Ministério Público.