De acordo com a entidade, que lançou relatório internacional advertindo para o risco dos financiamentos ilegais à democracia, a ação da Justiça brasileira é um "caso edificante".
A análise foi feita no dia do lançamento do estudo "O financiamento da democracia: financiamento de partidos políticos e o risco de captura da ação política", lançado ontem com a presença de delegados governamentais de dezenas de países.
Segundo os técnicos da OCDE, a falta de transparência e de regulação apropriada abriu as portas para que doadores privados não apenas contribuam - muitas vezes contrariando as legislações nacionais -, mas também recorram a falsos empréstimos, a mecanismos de cotizações e uso de "laranjas" para burlar as regras do financiamento de campanhas eleitorais.
O objetivo, diz a entidade, é gerar dependência e influenciar nas decisões tomadas por partidos e candidatos que uma vez cheguem ao poder. Para Gurría, trata-se do "câncer da democracia".
"O dinheiro na política é uma área complexa para reformar, é uma faca de dois gumes. O dinheiro é um componente necessário de qualquer processo democrático, porque permite a expressão política de apoio e a competição nas eleições", ponderou o secretário-geral em seu discurso. "Mas a concentração de recursos econômicos nas mãos de poucas pessoas apresenta uma ameaça significativa aos sistemas políticos."
O chefe da OCDE afirma que a elaboração de políticas não pode ser "vendida a quem oferece mais". "Quando a política é influenciada por doadores afortunados, as regras são burladas em favor de alguns e em detrimento dos interesses da maioria. Defender normas rigorosas para o financiamento da vida política faz parte dos esforços para resolver as desigualdades e restaurar a confiança na democracia", diz Gurría.
De acordo com o estudo, além de fixar regras claras e verificáveis sobre a origem das doações, é essencial regulamentar também a participação de empresas multinacionais e o anonimato das contribuições - hoje, apenas 17 dos 34 países-membros da OCDE proíbem o sigilo.
Ainda que não seja membro da organização, o Brasil é um dos nove países analisados no relatório. O capítulo brasileiro foi escrito por José Antonio Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
À reportagem, Gurría afirmou que reformar o sistema é uma missão difícil, mas não apenas no Brasil. "Conheço as circunstâncias particulares do Brasil nesse momento, mas podemos ver a situação como uma oportunidade para a mudança", entende o economista, reconhecendo a dificuldade das reformas. "As partes que se beneficiam do sistema são muito fortes, muito resistentes, têm muita voz."
Para Gurría, definir se haverá financiamento exclusivamente público ou também privado é um imperativo, mas regular a atividade de lobbies e criar mecanismos eficientes de fiscalização e de transparência das finanças de partidos também o são.
"Não estamos dizendo que a única ou que a melhor maneira é o financiamento público, mas o controle, a regulação e o financiamento público, associados a campanhas mais curtas, ajudam muito a evitar a captura das políticas públicas", avaliou.
Ainda para o secretário-geral da OCDE, as investigações da Operação Lava Jato e os processos judiciais contra empreiteiras, lobistas e políticos deixam claro que o Brasil está ciente da captura do Estado pelo poder econômico. "As autoridades e os procuradores concluíram que houve, sim, captura em casos envolvendo construtoras e bancos. É uma captura ilegítima que precisa acabar", advertiu. "O interessante é que o Brasil está fazendo frente à situação e está punindo pessoas, o que é muito edificante", finalizou..