O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) na qual defende a validade das delações premiadas firmadas até hoje no âmbito da Operação Lava-Jato e diz que as investigações mostram que as coalizões passaram a ser definidas por dinheiro, no lugar de afinidade política.
"Os fatos e delitos já apurados demonstram que a sociedade brasileira tem diante de si uma grave afronta à ordem constitucional e republicana. Pelo até aqui apurado, o uso de apoio político deixou de ser empenhado em razão de propostas ou programas de partido. As coalizões deixaram de ocorrer em razão de afinidades políticas e passaram a ser decididas em razão do pagamento de somas desviadas da sociedade, utilizando-se, para tanto, de pessoa jurídica que, até o início da operação policial, gozava de sólida reputação no mercado financeiro mundial", escreveu o procurador-geral, em uma referência ao esquema de pagamento de propina a agentes políticos oriundos de contratos fechados pela Petrobras.
A manifestação de Janot consta em parecer no qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) pede a rejeição de um agravo protocolado no início do mês pela defesa do ex-ministro Antônio Palocci. Os advogados do ex-ministro entraram com o recurso no STF após o ministro relator da Lava Jato, Teori Zavascki, negar pedido de revogação de benefícios concedidos a dois delatores da operação obtidos por meio do acordo de delação premiada. A defesa de Palocci tenta anular os benefícios obtidos pelo doleiro Alberto Youssef e pelo lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano.
Os dois, além do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, citaram o nome de Palocci, que supostamente teria exigido pagamento de propina do esquema montado na Petrobras para a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff em 2010. Os advogados dizem que há contradições entre os depoimentos, além de retificações de fala e negativas da história por parte de outros depoentes.
Ao negar o pedido para anular os benefícios de Palocci, o ministro Teori Zavascki sustentou que o acordo de delação não pode ser impugnado por terceiros. Após agravo dos advogados contra a decisão, Janot encaminhou parecer com defesa das delações. No documento, o procurador-geral da República argumenta que o Estado precisa usar os meios mais eficientes para combater a criminalidade, com soluções modernas contra o crime organizado, "em especial aquele que assalta os cofres públicos, pois as consequências refletem-se na falência de diversos serviços públicos e de benefícios destinados à população".
Janot classifica como crimes "sem precedentes na história do País" os desvelados pela Operação Lava Jato.
Para defender as delações já realizadas, Janot argumentou que haveria um "esvaziamento" do instituto da colaboração premiada se os mencionados no depoimento pudessem contestar o acordo. "Podem se defender do que for dito, mas não contestar o acordo em si. As declarações do investigado colaborador servem, antes de tudo, de guia para a apuração dos elementos de materialidade e autoria delitivas. (...) Pretender de outra forma implicaria inviabilizar a investigação antes mesmo de seu início", escreveu o procurador.
O uso das delações premiadas na Lava Jato - são pelo menos 40 acordos firmados até o momento - gera questionamentos por parte de advogados desde o início. A princípio, defensores chegaram a sugerir a existência de pressão por parte do Ministério Público pela celebração dos acordos. Depois, passaram a apontar contradições entre os delatores e, mais recentemente, advogados argumentaram que há incongruências entre os depoimentos escritos e os vídeos de delações gravados no momento da audiência.
Janot sustentou ao STF que, num sistema processual em que se busca a reconstrução dos crimes praticados, a colaboração premiada traz "inúmeras contribuições para a apuração das gravíssimas práticas" e destacou que o instrumento é usado em "dezenas de ordenamentos jurídicos no mundo, sem que se conteste a validade".
"O que interessa ao colaborador são os eventuais benefícios legais que poderão advir de sua colaboração. (...) Com efeito, o interesse do Estado na colaboração reside única e exclusivamente nos fatos que o investigado poderá revelar ou auxiliar a apurar. De outro lado, o investigado busca benefícios em troca da verdade compartilhada. Firmado o termo e colhidos os depoimentos, o Poder Judiciário é chamado a chancelar o acordo tão somente para verificar se não houve violação a direitos e garantias fundamentais do colaborador. Não há, ressalte-se, espaço para terceiros influírem nessa etapa", explicou o procurador-geral na manifestação.
Com a chegada do parecer de Janot, o agravo com a discussão sobre a validade das delações premiadas, conforme questionado por Palocci, deve ser levado por Zavascki para julgamento pela 2ª Turma do STF..