São Paulo e Brasília — A tensão jurídica e política do país cresceu mais alguns graus ontem, com o pedido de prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Ministério Público de São Paulo. Em uma denúncia sobre desvios da Bancoop, cooperativa dos bancários, apresentada na quarta-feira, a família do ex-presidente é acusada de ter sido beneficiada indevidamente na compra de um apartamento de cobertura tríplex no Guarujá, litoral paulista.
Os promotores responsáveis pelo caso, Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo, recusaram-se a comentar o pedido de prisão preventiva ontem ao conceder entrevista a jornalistas. “Vamos falar exclusivamente da denúncia apresentada”, disse Conserino. Os argumentos a serem analisados pela juíza da quarta vara criminal de São Paulo, Maria Veiga Oliveira, no entanto, foram recebidos com resistência por juristas e até por políticos de oposição. O motivo é suposta ausência de fatos concretos para o pedido de prisão preventiva do petista.
Na denúncia, no entanto, o trio de promotores se baseia em cinco alegações principais (veja quadro): críticas de Lula à atuação do Ministério Público e a decisões judiciais; possibilidade de o ex-presidente “inflamar a população a se voltar contra as investigações criminais”; utilização de “parceiros políticos” para requerer ao CNMP medida liminar para suspender a oitiva; atitude de Lula se colocar acima da lei; e facilidade de fuga.
Na peça, o petista é acusado de lavagem de dinheiro e de falsidade ideológica, crimes que podem resultar em condenação combinada de quatro a 13 anos de prisão. A mulher dele, Marisa Letícia, e um dos filhos do casal, Fábio Luís, são acusados de lavagem de dinheiro, o que pode resultar em pena entre 3 e 10 anos de prisão. Outras 13 pessoas são denunciadas, incluindo o ex-tesoureito do PT João Vaccari Neto, preso no âmbito da Operação Lava-Jato. Segundo os promotores, o ex-presidente, a esposa e os filhos puderam comprar um apartamento em condições especiais, enquanto outras famílias foram lesadas pela Bancoop. “Elas tiveram de passar por dificuldades sobrenaturais, enquanto Lula e a família tiveram seis anos para negociar e desistir do empreendimento”, afirmou Conserino.
Reforma
A defesa de Lula argumenta que Marisa Letícia havia adquirido outro apartamento do empreendimento, do qual desistiu em 2009. A construtora OAS, que assumiu a construção do edifício, ofereceu a cobertura tríplex, mas Marisa desistiu do negócio no fim do ano passado. Segundo os promotores, a desistência ocorreu apenas porque o caso veio a público, mas o apartamento, em fase de acabamento, já estava em posse do casal. As provas disso, afirmam, é que foi feita uma reforma de quase R$ 1 milhão no imóvel. Além disso, os promotores listaram 20 testemunhas que afirmaram que a família visitou várias vezes o prédio durante a construção e a reforma, entre funcionários do condomínio e da OAS, e vizinhos.
“Lula era a mascote do empreendimento. Os vendedores diziam que quem comprasse um apartamento ali poderia ter mais segurança graças à presença do ex-presidente. Até mesmo poderiam jogar bola com ele”, afirmou Conserino. Uma prova documental de falsidade ideológica, segundo ele, é a declaração de Imposto de Renda (IR) do ex-presidente, colocada na página do Instituto Lula, em que ele declara possuir uma outra unidade no empreendimento, a 141, de outro bloco, que pertencia a outra pessoa.
“Banalização” jurídica
O instituto informou que a declaração mencionava apenas o valor referente àquela unidade, transformado em crédito com a desistência da compra, em 2009. Ainda, que a OAS ofereceu a cobertura tríplex em contrapartida a esse crédito. Com a desistência da compra também dessa unidade, a família de Lula reivindica agora ressarcimento de R$ 290 mil.
Em nota, o advogado de Lula Cristiano Zanin afirma que o pedido de prisão preventiva não encontra embasamento jurídico. “Essa fundamentação claramente revela uma tentativa de banalização do instituto da prisão preventiva, o que é incompatível com a responsabilidade que um membro do Ministério Público deve ter ao exercer suas funções. Buscou-se, de fato, amordaçar um líder político, impedir a manifestação do seu pensamento e até mesmo o exercício de seus direitos. Somente na ditadura, quando foram suspensas todas as garantias do cidadão, é que opinião e exercício de direitos eram causa para a privação da liberdade.”
Segundo os promotores, a denúncia que envolve Lula também deixou de ser apresentada mais cedo por procedimentos protelatórios da defesa. Ele não quis comentar as críticas de que a intenção dos promotores de fazer isso já havia sido noticiada em janeiro. Tampouco respondeu se a denúncia leva em conta as manifestações previstas para o próximo domingo, pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Nosso calendário é judicial. Não é político”, disse.
O Instituto Lula reagiu ao pedido com acusações a Conserino e voltou a negar que o imóvel seja propriedade do ex-presidente. “Cássio Conserino, que não é o promotor natural desse caso, possui documentos que provam que o ex-presidente Lula não é proprietário nem de tríplex no Guarujá nem de sítio em Atibaia, e tampouco cometeu qualquer ilegalidade. Mesmo assim, solicita medida cautelar contra o ex-presidente em mais uma triste tentativa de usar seu cargo para fins políticos.”
Frases
“Elas (famílias) tiveram de passar por dificuldades sobrenaturais, enquanto Lula e a família tiveram seis anos para negociar e desistir do empreendimento”
Cássio Conserino, promotor
“O ex-presidente Lula não é proprietário nem de tríplex no Guarujá nem de sítio em Atibaia, e tampouco cometeu qualquer ilegalidade. Mesmo assim, (Conserino) solicita medida cautelar (...) em mais uma triste tentativa de usar seu cargo para fins políticos”
Instituto Lula, em nota
Requisitos e argumentos
Confira os principais pontos elencados pelos promotores
- Luiz Inácio Lula da Silva atentou contra a ordem pública ao desrespeitar as instituições que compõem o Sistema de Justiça.
- Lula jamais poderia inflamar a população a se voltar contra investigações criminais a cargo do Ministério Público, da Polícia, tampouco contra decisões do Poder Judiciário.
- Valendo-se de sua rede político-partidária, o denunciado Luiz Inácio Lula da Silva sempre buscou manobras para evitar que a investigação criminal do Ministério Público não avançasse (sic).
- Sabidamente (Lula) possui poder de ex-presidente da República, o que torna sua possibilidade de evasão extremamente simples.