A três dias do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que vai definir o rito do processo de impeachment no Congresso, multidões invadiram nesse domingo as ruas das cidades de norte a sul do Brasil para exigir o afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT). Nas principais capitais do país, o público estimado superou as manifestações anteriores. Em Belo Horizonte, foram 30 mil, de acordo com a Polícia Militar (PM), e 100 mil, segundo organizadores. Em Brasília, 100 mil, segundo a PM, e 200 mil, na estimativa dos grupos. No Rio, não há números oficiais da PM, mas organizadores contam de 200 mil a 1,5 milhão de manifestantes. Em São Paulo, o Datafolha aponta que 500 mil pessoas protestaram na Avenida Paulista, no maior protesto político da história da cidade, superando as Diretas Já, em 16 de abril de 1984. A PM paulista calcula que os manifestantes tenham somado 1,4 milhão; os organizadores falam em 2,5 milhões.
A força das ruas não deve interferir no julgamento dos ministros do Supremo, mas tem potencial para provocar uma forte pressão sobre os parlamentares, principalmente sobre aqueles que ainda não decidiram se apoiam o impedimento da presidente. Aliás, os contornos políticos ganharam corpo nos protestos de domingo, com engajamento em peso de representantes da oposição – alguns deles hostilizados por manifestantes. Mas o grande destaque dos atos ficou longe dos palanques. O juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato, que investiga o esquema de propina na Petrobras, foi “eleito” pelos manifestantes o grande herói da nação.Atos a favor da presidente Dilma foram pontuais, sendo o mais expressivo o “coxinhaço”, em Porto Alegre (RS), em que manifestantes fizeram um churrasco de coxas de frango, em alusão ao termo coxinhas, usado para se referir a pessoas de ideias conservadoras. Apoiadores do ex-presidente Lula também fizeram vigília em frente ao prédio do petista, em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. Sem a presença massiva de defensores do governo nas ruas, os protestos contrários ao Palácio do Planalto ocorreram em clima de tranquilidade e não houve ocorrências de destaque.
Em Minas Gerais, organizadores estimam ter havido protestos em mais de 80 cidades. Na capital mineira, a manifestação contou com número recorde e superou os 24 mil de 15 de março de 2015. Pelas estimativas da PM, somente na Praça da Liberdade, havia 30 mil pessoas, a maioria com as cores da bandeira do Brasil. Assim como no restante do país, as pautas mais fortes eram a favor do impeachment da presidente Dilma e da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Principal líder da oposição, o presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), esteve presente na Praça da Liberdade. Acompanhado de correligionários, ele foi aclamado e carregado pelos manifestantes. O tucano defendeu três caminhos para a presidente: o impeachment, a cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou a renúncia. “Sempre achei que o caminho do TSE permitiria um governo legitimado pelo voto. Mas hoje qualquer saída sem a atual presidente dentro da Constituição é melhor do que estender esse calvário do povo por mais alguns anos”, disse. Tramitam no TSE quatro ações em que Dilma é acusada de abuso de poder político e econômico na campanha de 2014. Uma das ações pede a impugnação da chapa formada pela petista e por Michel Temer (PMDB).
Manifestantes esbanjaram criatividade nos cartazes e adereços em BH. Havia bonecos infláveis à venda estampados com os rostos de Lula – modelo chamado de pixuleco, termo usado pelo ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, ao referir-se à propina –, Dilma e Moro. Também houve apresentações de bandas. Por volta das 13h, manifestantes seguiram pela Avenida João Pinheiro até a Praça da Estação, onde houve outro ato.
Durante a passeata, manifestantes passaram em frente ao Edifício Solar, que conta com apartamento de propriedade da presidente Dilma. O imóvel foi usado por ela como aparelho político durante a ditadura militar. Moradores mostraram panos vermelhos em apoio a Dilma e ao PT. Antes de chegar à Praça da Estação, no Centro de BH, chuva forte dispersou parte dos manifestantes. Mesmo assim, o evento, com público bem menor do que a Praça da Liberdade, foi mantido. Houve a participação de bandas sobre trio elétrico e a montagem de bonecos infláveis gigantes do Pixuleco, de Dilma, do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), e um pato com os dizeres “NãoVouPagaroPato.com.br”.
Respeito
Em nota, o governo da presidente Dilma Rousseff elogiou o “caráter pacífico” dos protestos e voltou a defender o respeito à liberdade de manifestação. “A liberdade de manifestação é própria das democracias e por todos deve ser respeitada. O caráter pacífico das manifestações ocorridas no dia de hoje (nesse domingo) demonstra a maturidade de um país que sabe conviver com opiniões divergentes e sabe garantir o respeito às suas lei e às instituições”, diz a nota. Nos bastidores, entretanto, representantes da cúpula afirmaram que houve surpresa no governo quanto ao tamanho das manifestações e receio dos seus efeitos no processo de impeachment da presidente Dilma.
O governo de Minas divulgou nota informando que as manifestações transcorreram sem incidentes. O governador Fernando Pimentel (PT) “registra esse fato e o vê como a reafirmação do compromisso inarredável de Minas Gerais com a normalidade democrática e o respeito à Constituição”.
No Supremo
Na quarta-feira, o STF vai julgar recursos contra a decisão da corte que mudou o rito do impeachment no Congresso. Em dezembro, o STF anulou a comissão que havia sido formada na Câmara para analisar o impeachment. Os ministros entenderam que o colegiado não poderia ter sido eleito por votação secreta e vedou chapas avulsas na disputa. O STF deu ainda ao Senado poder de recusar a abertura do processo, mesmo após autorização da Câmara.