Até então recolhida no que definiu como “ambiente de paralisia do país”, a presidente Dilma Rousseff (PT) mostrou ontem uma outra postura diante da crise política instalada no país. A petista partiu para o ataque, teceu críticas sobre a tentativa de se criar uma “convulsão social” e cobrou apuração sobre a divulgação do grampo da ligação telefônica entre ela e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Os golpes começam assim”, disse a presidente, durante a cerimônia em que deu posse a Lula como ministro-chefe da Casa Civil.
A força das palavras de Dilma não conseguiu, entretanto, impedir uma batalha jurídica para evitar que seu maior aliado assumisse o cargo. A posse foi suspensa pela Justiça. Aclamada pelo público presente na cerimônia de posse dos novos ministros, no Palácio do Planalto, Dilma afirmou que não vai recuar e que sua conversa ao telefone com Lula é “totalmente republicana”.
Ela se referiu aos áudios grampeados pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, tornados públicos na quarta-feira pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pelas investigações. Em um dos arquivos, Dilma e Lula falam sobre o termo de posse que confirma a nomeação do ex-presidente para a Casa Civil.
Segundo a presidente, os diálogos foram divulgados de forma deturpada. Ela explicou que o documento teria sido enviado a Lula porque, por motivos de saúde da ex-primeira dama Marisa Letícia, ele não poderia comparecer à cerimônia. “Convulsionar a sociedade brasileira em cima de inverdades, de métodos escusos de práticas criticadas, viola princípios e garantias constitucionais, viola os direitos dos cidadãos e abre precedentes gravíssimos. Os golpes começam assim”, disse.
Em referência a Moro e à força-tarefa da Lava-Jato, Dilma pediu a apuração das circunstâncias do grampo telefônico. “O Brasil não pode se tornar submisso a uma conjuração que invade as prerrogativas constitucionais da Presidência da República. Porque se ferem as prerrogativas da Presidência da República, o que farão com as prerrogativas dos cidadãos?”, questionou.
Ela também dirigiu críticas à oposição e convocou aliados a superar armadilhas “daqueles que desde a eleição de 2014 tentaram paralisar meu governo, me impedir de paralisar meu governo, me impedir de governar ou me tirar o mandato de forma golpista”, afirmou.
Logo pela manhã, Sérgio Moro divulgou texto explicando o grampo telefônico. Segundo ele, “nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações”. Moro justificou que a interceptação da presidente foi fortuita e se dirigida a Lula, investigado na Lava-Jato. Ele também reforçou que, entre a ordem de interromper o grampo, às 11h12, e o atendimento da orientação pelas operadoras, houve a gravação do diálogo entre Lula e Dilma, às 13h32.
O magistrado citou o caso Watergate, que culminou com o afastamento do presidente norte-americano Richard Nixon em 1974. O escândalo foi descoberto por escutas sem autorização da Justiça, entre outros elementos.
As declarações sobre o grampo telefônico de Lula continuam a repercutir. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha, reagiu à fala de que o STJ estaria acovardado. “Essa casa não é uma casa de covardes, é uma casa de juízes íntegros, que não recebe doação de empreiteiras. Não se alinha a ditaduras da América do Sul, concedendo benefícios a ditadores e amigos políticos que estrangulam liberdades”, disse. “A atitude do juiz Moro, gostem ou não, certa ou errada, revelou a podridão que se esconde atrás do poder. Se alguns caciques do Judiciário se incomodam ou invejam, lamento”, escreveu.
Vergonha
Lula e Dilma chegaram juntos à cerimônia e foram ovacionados pela plateia que gritou “não vai ter golpe”, “Lula, Lula” e “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Antes de a presidente começar a discursar, o deputado Major Olímpio (SD-SP) gritou “vergonha” e, vaiado, acabou expulso da solenidade. A presidente guardou para o fim da cerimônia a posse de Lula. Com afeto de quem fala de amigos, ela contou sobre a parceria de anos de trabalho ao lado do ex-presidente. Segundo ela, “dificuldades criaram oportunidades”, justificando a nomeação do ex-presidente como ministro. “As circunstâncias atuais me dão a magnífica chance de trazer para o governo o maior líder político desse país. Uma pessoa que, além de ser um grande líder político, é um grande amigo e um companheiro de lutas e de conquistas”, disse. “A sua presença aqui, companheiro Lula, prova que você tem a grandeza dos estadistas e a humildade dos verdadeiros líderes”, concluiu.
Também foram empossados os ministros da Justiça, Eugênio Aragão; da Secretaria de Aviação Civil, Mauro Lopes; e do chefe de Gabinete Pessoal da Presidência da República, Jaques Wagner.
O vice-presidente Michel Temer (PMDB) não compareceu à solenidade, em repúdio à posse do deputado federal Mauro Lopes (PMDB). O partido havia decidido no último fim de semana que nenhum filiado seu deveria assumir cargo no governo nos próximos 30 dias, quando, a partir daí, decidiriam continuar ou não na base aliada.