A crítica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em grampo telefônico da Operação Lava-Jato diz que o Supremo Tribunal Federal (STF) está “acovardado”, não é o primeiro embate dele com o Poder Judiciário. Logo depois de assumir o governo, Lula defendeu, em abril de 2003, o controle externo da Justiça como forma de abrir a “caixa-preta” do poder. “É por isso que nós defendemos há tanto tempo o controle externo do Poder Judiciário. Não é meter a mão na decisão do juiz. É pelo menos saber como funciona a caixa-preta de um Judiciário que muitas vezes se sente intocável”, afirmou o presidente, à época. Foi uma bofetada na cara do então presidente do STF, Marco Aurélio Mello, que sempre viu com reservas a ideia da criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A fala de Lula ocorreu durante um evento em Vitória sobre o combate ao crime organizado e causou reação imediata de juízes em todo o país. Mas a crise tomou contornos mais graves quando o ministro Maurício Correia assumiu a presidência da corte, declaradamente contrário ao controle externo. Em outubro, durante encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunal de Justiça, em Porto Alegre, o presidente do STF foi à forra e acusou o governo de ser conivente com interferências externas no Judiciário.
A reforma do Judiciário foi anunciada em 2003 pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos – que morreu em 2014 –, como prioridade da sua pasta, apesar de o governo petista ainda estar engatinhando. Bastos provocou ainda mais revolta ao afirmar que era preciso discutir com a sociedade o formato da proposta de controle. “Controle interno (realizado apenas por procuradores e juízes) não é controle, é consciência”. Para levar a cabo a tarefa, ele desconsiderou o projeto que já tramitava no Congresso há 10 anos sobre o tema, para começar da estaca zero.
Irritado, Correia – que morreu em 2012 – nunca aceitou esta proposta e afirmou que Lula sempre demonstrou guardar reservas pessoais em relação ao Poder Judiciário. Em seguida, surpreendeu anunciando que o Judiciário enviaria diretamente ao Legislativo sua própria proposta de reforma. Para o então presidente, os atritos entre o chefe do Executivo e da Justiça foram fomentados também pela ausência do petista à comemoração dos 175 anos do Judiciário e pela insistência de Lula em não cumprimentá-lo em solenidades oficiais.
A paz começou a ser selada com um convite do presidente petista para que Corrêa comparecesse à solenidade de sanção da lei que criou 269 novas varas da Justiça do Trabalho. Em fevereiro de 2004, Lula participou da reabertura dos trabalhos do Judiciário. Na cerimônia festiva preparada por Corrêa, inédita para a ocasião, o presidente fez um discurso breve, evitando polêmicas. Desta vez, apontou como problema do poder a lentidão. De acordo com Lula, a visão da sociedade é de que os juízes não realizam o seu trabalho de forma correta. “Há um sentimento na sociedade de que o verdadeiro problema do Poder Judiciário é a lentidão, a demora da tramitação dos processos judiciais”, disse na época.
GRAMPO E foi um grampo – que nunca teve sua existência comprovada –, que voltou a causar animosidade entre Lula e o Judiciário. Desta vez, na cadeira da Presidência do STF estava Gilmar Mendes, que ainda hoje não poupa Lula de duras críticas pela sua indicação para a chefia da Casa Civil do governo Dilma. Em 15 de julho de 2009, Gilmar cuspiu fogo depois que a imprensa revelou a gravação de um telefonema entre ele e o senador Demóstenes Torres – hoje cassado por ter recebido propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira –, que teria sido feita pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada à Presidência da República.
Já conhecedor do desgaste provocado pelo atrito com o Judiciário em razão do embate em seu primeiro mandato, Lula preferiu agir rápido. Promoveu uma verdadeira degola na Abin e na Polícia Federal. Retirou do cargo seu auxiliar, o prestigiado delegado Paulo Lacerda e exigiu da PF apuração rigorosa sobre a denúncia. Se teve ou não grampo ninguém sabe, mas certo é que, desta vez, o petista preferiu uma ação rápida para aparar arestas. Na sexta-feira mesmo, depois que vazou a conversa em que ele diz que o Supremo está acovardado, Lula recorreu ao episódio envolvendo Gilmar Mendes para sustentar sua afirmação de respeito ao Judiciário.
Em carta aberta aos brasileiros, Lula afirmou: “Em meu governo, quando o Supremo Tribunal Federal considerou-se afrontado pela suspeita de que seu então presidente teria sido vítima de escuta telefônica, não me perdi em considerações sobre a origem ou a veracidade das evidências apresentadas. Naquela ocasião, apresentei de pleno a resposta que me pareceu adequada para preservar a dignidade da Suprema Corte, e para que as suspeitas fossem livremente investigadas e se chegasse, assim, à verdade dos fatos. Agi daquela forma não apenas porque teriam sido expostas a intimidade e as opiniões dos interlocutores. Agi por respeito à instituição do Judiciário e porque me pareceu também a atitude adequada diante das responsabilidades que me haviam sido confiadas pelo povo brasileiro.”
SEM PERDÃO Mas fato é que Gilmar Mendes nunca perdoou o então presidente, conforme suas reações desde quando foi ventilada a possibilidade de o petista integrar o governo Dilma Rousseff. Em sessão de julgamento de recurso da Câmara dos Deputados sobre o rito de impeachment da presidente, Mendes chamou Dilma de “mosquita”, em referência ao vetor do zika vírus, o Aedes aegypti, e Lula de “chefe do crime organizado. Agora, sete das 10 ações que questionam a nomeação de Lula para a Casa Civil têm Mendes como relator.
E na sexta-feira, no capítulo mais grave do embate iniciado em 2003, o ministro suspendeu a posse de Lula na Casa Civil com o argumento de que ele está querendo evitar ser preso.