Local de depósito de um terço da fortuna mundial privada, a Suíça tem em seus bancos cerca de US$ 2,8 trilhões em ativos. Nos escritórios da procuradoria em Lausanne e em Berna, o caso envolvendo a estatal brasileira vem ocupando um espaço considerável.
A complexidade das estruturas bancárias montadas para esconder o dinheiro elaborada por empresas e políticos brasileiros fez os suíços darem um tratamento inédito à investigação. Além de mais de cinco procuradores, a Lava-Jato suíça vai contar com analistas forenses do mercado financeiros, especialistas em cooperação internacional, membros da polícia criminal e funcionários da administração federal.
O grupo terá a função de examinar e tentar traçar a origem e destino de milhares de movimentações bancárias em mais de mil contas. Para complicar a tarefa, os ativos estão espalhados por mais de 40 bancos diferentes em Genebra, Zurique e Lugano. Para um dos procuradores envolvidos na investigação, os dados já coletados são a "caixa-preta de um dos maiores escândalos de corrupção que já foi identificado no mundo".
Por ora, mais de US$ 800 milhões já foram bloqueados em conexão com a Lava-Jato. Parte desses recursos estava vinculada a ex-diretores da Petrobras, empresas controladas pela empreiteira Odebrecht, doleiros, intermediários de diferentes partidos brasileiros e políticos como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Esses valores congelados superam todos os demais casos já investigados pelos suíços. Até hoje, o recorde havia sido o congelamento em 1998 de US$ 650 milhões em nome de Ferdinand Marcos, das Filipinas, em preços atualizados. Nos anos 90, o ditador nigeriano Sani Abacha teve US$ 620 milhões bloqueados nos bancos suíços.
O ex-ditador egípcio Hosni Mubarak, derrubado na Primavera Árabe, foi vinculado a US$ 410 milhões congelados pelas autoridades do país europeu. Mais recentemente, o escândalo de corrupção da Fifa levou à suspeita sobre cerca de 110 contas, com US$ 80 milhões bloqueados em dezembro - um décimo do que já foi descoberto relacionado à Lava-Jato, como comparou uma fonte do Ministério Público em Berna.
Padrões
No caso brasileiro, os investigadores suíços identificaram alguns padrões e peculiaridades. Contas de políticos, empresas e intermediários mudaram de bancos depois de um determinado tempo e doleiros chegavam a ter os códigos para movimentar os recursos.
A rede de contas ainda faz parte do inquérito sobre os pagamentos da Odebrecht, por meio de empresas offshore. O que também fica claro é a preferência do suspeitos por "trusts", uma estrutura legal autorizada pelas leis locais, mas que acabam sendo usadas para esconder os verdadeiros donos de contas.
Diante das descobertas, a Suíça também passou a investigar suas próprias instituições, para avaliar se não houve cooperação indevida ao abrir centenas de contas de pessoas cuja renda oficial não justificava os depósitos feitos nos bancos. Pelo menos três instituições financeiras estão sendo alvo de inquéritos, inclusive pela agência de regulação dos bancos.
À reportagem, a Associação de Bancos Suíços confirmou que as instituições foram instruídas a não aceitar mais qualquer abertura de contas de diretores da Petrobras ou de empresas fornecedoras da estatal.
Cooperação
Dos 28 países envolvidos nas investigações da Lava-Jato, o Ministério Público brasileiro confirmou que os suíços têm sido os que mais cooperam, um contraste com um país que, até pouco tempo, se recusava a reconhecer a transmissão de documentos e extratos bancários para a Justiça estrangeira. A partir de abril, procuradores brasileiros e suíços vão se reunir também por videoconferência.
A disposição dos suíços para ajudar não ocorre por acaso. Michael Laub, procurador-geral em Berna, tem sido pressionado a dar respostas a escândalos envolvendo a Suíça e viu no caso da Lava-Jato uma "oportunidade" de mostrar ao mundo que o país mudou.