Sem PMDB, governo negocia no varejo apoio de outros partidos para tentar evitar impeachment

Planalto reedita a antiga prática de ofertar cargos em troca de apoio. Espólio do PMDB é a moeda oferecida aos partidos que garantirem votos a favor do mandato da presidente Dilma

Juliana Cipriani
- Foto: Arte EM
A poucos dias da votação na Câmara dos Deputados que definirá sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), a alternativa do Palácio do Planalto para tentar conseguir os 172 votos que podem barrar o processo já no nascedouro foi recorrer à velha prática da oferta de cargos. E, com o desembarque do PMDB da base na semana passada, o governo tem muito a oferecer. O partido, que era o principal aliado da petista, tinha sete ministérios e mais de 600 cargos comissionados que estão sendo usados para tentar atrair os votos do PP, PR, PSD e até de deputados do baixo clero. Quem está cuidando das costuras é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), funcionário informal do governo, já que sua nomeação como ministro-chefe da Casa Civil está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trocar cargos ou favores por votos é uma prática tão antiga quanto a República brasileira. O escancaramento da política do toma lá dá cá é entendido por especialistas como um reflexo da pulverização partidária no Brasil, que faz os mandatários precisarem correr atrás de apoio para construir maiorias no Legislativo, ao mesmo tempo em que deixa as legendas menos fortes e ideológicas.


O ex-presidente Fernando Collor de Melo, agora no PTC – ele deixou o PTB porque o comando da legenda quer o afastamento de Dilma –, também assediou parlamentares com a oferta de cargos e favores em troca de votos que evitassem o seu impeachment. Não conseguiu. A Câmara deu 441 votos favoráveis e 38 contrários à abertura do seu processo e ele acabou afastado.

Hoje, Dilma tem suas principais investidas no PP e no PR. O PMDB,  que a abandonou, tem 68 deputados. Dos sete ministros, apenas um saiu e os outros seis falam em se licenciar do partido para continuar. O interesse de Dilma é manter somente aqueles que possam conseguir votos a favor dela.

O cargo do ministro da Saúde, por exemplo, já foi oferecido ao PP, que tem 49 votos, e o indicado para substituir o peemedebista Marcelo Castro é o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR). Ele, no entanto, nega ter sido procurado. “Vi na imprensa, mas foi só isso”, diz. Sobre a posição da legenda, que ficou de decidir se permanece ou sai do governo somente depois da apresentação da defesa da presidente Dilma e da definição da comissão do impeachment, Barros disse que só as lideranças poderiam falar. Sobre seu desejo pessoal, o parlamentar disse que vai “acompanhar o partido”. Questionado se aceitaria ocupar um ministério de Dilma caso fosse convidado, Ricardo Barros respondeu: “Em política não tem ‘se’”.

Da ala favorável ao impeachment no PP, a senadora Ana Amélia (RS) garante que não será fácil para Dilma levar a bancada de porteira fechada. Os seis votos do Rio Grande do Sul, por exemplo, serão pelo impeachment. “Tem 20 deputados que assinaram a petição para discutir a saída do governo. Pressupõe-se que eles sejam favoráveis (ao impeachment). Os outros não sei dizer”, afirmou.
Adversária política do PT, a senadora critica o assédio do governo aos partidos e defende que o PP “não se contente com migalhas”.

No PR, do alto de suas 40 cadeiras na Câmara, o líder Maurício Quintella (AL) disse semana passada que também há uma grande divisão e, da mesma forma que o PP, a legenda vai aguardar o relatório. O PR, que tem hoje a pasta dos Transportes, já teria uma oferta para ampliar seu espaço com o de Minas e Energia. O líder não só  admitiu que estão sendo feitas ofertas como acrescentou que elas ocorrem de ambos os lados. Ou seja, os aliados do vice-presidente Michel Temer, de olho na vaga de Dilma, também estão procurando as legendas para oferecer vagas num futuro governo peemedebista caso a petista seja de fato afastada. O PSD, com 33 cadeiras, também está na mira e estaria de olho no Ministério dos Esportes. Na atuação de varejo anunciada pelo Palácio, até o PTN, que tem 13 deputados, já teria recebido oferta de espaço no governo. Poderia levar o ministério do Turismo ou a presidência da Fundação Nacional da Saúde (Funasa).

Adesão tem seu preço

A presidente Dilma Rousseff está tentando fazer o que sempre foi feito, na avaliação do doutor em ciência política Sabino José Fortes Fleury. “Não é privilegio do atual governo, isso vem desde a Proclamação da República. A partir das décadas de 1960 e 1970 ficou muito maior, com a própria estrutura do governo ficando mais complexa”, diz. Autor de uma tese sobre o uso de cargos públicos para obter apoio político no país, Fleury desenvolveu em seu estudo uma fórmula para avaliar o quanto vale uma adesão e concluiu que a estrutura de cargos funciona quase como uma moeda.
“O que é melhor, a pasta de Minas e Energia ou a presidência da Petrobras? Tudo isso é avaliado a partir do orçamento de investimento e custeio, estrutura de cargos. É tudo um cálculo estruturado. Se o meu apoio é importante, quero um cargo importante”, explica.

Além de servir para obter apoio, os cargos públicos também funcionam, segundo o estudo, como uma rede de proteção que não deixa desempregados aqueles candidatos derrotados nas eleições. Basta ver o grande número de ex-parlamentares derrotados em diretorias de estatais.

O professor de ciência política Carlos Ranulfo Félix de Melo diz que em alguns países, como Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, em função do sistema partidário, o presidente ou primeiro-ministro são fortes o suficiente para não ter de fazer negociações. Na maioria dos casos, porém, qualquer governante precisa começar a negociar assim que é eleito. “Em todo lugar você precisa chamar partido para apoiar o governo e ele vai querer participar dele somente em troca de espaço. Não tem nada de mais. O problema no Brasil é quando você chega em uma situação onde o partido do presidente tem pouco voto, aí tem que negociar com um número maior. O PSDB também passou por isso”, lembra.

Ranulfo afirma que de Getúlio Vargas a João Goulart e de Sarney a Dilma, todos montaram governos de coalizão. “No caso do Sarney, o PMDB era tão grande que precisou chamar somente o extinto PFL. Já a diferença do Fernando Henrique é que, na época, os partidos eram maiores e tinham mais força, por isso eram menos legendas (necessárias para governar)”, afirma. Segundo o professor, esse método de captar apoio ficou evidente na gestão tucana, quando FHC mandou ao Congresso a reforma da Previdência. “Vendo que seria muito difícil passar, ele chamou o PP para o governo. Política é assim. Quando preciso de votos, se não os tenho vou buscar.”

Ranulfo ponderou que o problema é quando se chama partidos que não pensam exatamente como o de quem está no governo, como é o caso da corrida de Dilma atrás do PP, que é de direita. “A esquerda tinha apenas 30% dos votos e isso complicou para o PT, que teve de chamar legendas que pensam de maneira muito diferente. O governo de coalizão funciona mais quando os partidos são mais próximos”, disse. Para o professor, atualmente, Dilma não tem base para governar e, se ela sobreviver ao impeachment, terá de reconstruir um governo.

É dando que se recebe


A frase, que faz parte da oração atribuída a São Francisco de Assis, também se tornou célebre na política ao ser dita pelo ex-deputado Roberto Cardoso, no Congresso constituinte, em 1988. Conhecido por Robertão, o antigo parlamentar soltou a pérola ao explicar o sistema de busca de apoio de parlamentares para garantir um  mandato de cinco anos para José Sarney. À época, o peemedebista distribuiu cargos e concessões de rádio. Robertão liderou um grupo suprapartidário conservador chamado de Centrão.

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