O ex-presidente Fernando Collor de Melo, agora no PTC – ele deixou o PTB porque o comando da legenda quer o afastamento de Dilma –, também assediou parlamentares com a oferta de cargos e favores em troca de votos que evitassem o seu impeachment. Não conseguiu. A Câmara deu 441 votos favoráveis e 38 contrários à abertura do seu processo e ele acabou afastado. Hoje, Dilma tem suas principais investidas no PP e no PR. O PMDB, que a abandonou, tem 68 deputados. Dos sete ministros, apenas um saiu e os outros seis falam em se licenciar do partido para continuar. O interesse de Dilma é manter somente aqueles que possam conseguir votos a favor dela.
O cargo do ministro da Saúde, por exemplo, já foi oferecido ao PP, que tem 49 votos, e o indicado para substituir o peemedebista Marcelo Castro é o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR). Ele, no entanto, nega ter sido procurado. “Vi na imprensa, mas foi só isso”, diz. Sobre a posição da legenda, que ficou de decidir se permanece ou sai do governo somente depois da apresentação da defesa da presidente Dilma e da definição da comissão do impeachment, Barros disse que só as lideranças poderiam falar. Sobre seu desejo pessoal, o parlamentar disse que vai “acompanhar o partido”. Questionado se aceitaria ocupar um ministério de Dilma caso fosse convidado, Ricardo Barros respondeu: “Em política não tem ‘se’”.
No PR, do alto de suas 40 cadeiras na Câmara, o líder Maurício Quintella (AL) disse semana passada que também há uma grande divisão e, da mesma forma que o PP, a legenda vai aguardar o relatório. O PR, que tem hoje a pasta dos Transportes, já teria uma oferta para ampliar seu espaço com o de Minas e Energia. O líder não só admitiu que estão sendo feitas ofertas como acrescentou que elas ocorrem de ambos os lados. Ou seja, os aliados do vice-presidente Michel Temer, de olho na vaga de Dilma, também estão procurando as legendas para oferecer vagas num futuro governo peemedebista caso a petista seja de fato afastada. O PSD, com 33 cadeiras, também está na mira e estaria de olho no Ministério dos Esportes. Na atuação de varejo anunciada pelo Palácio, até o PTN, que tem 13 deputados, já teria recebido oferta de espaço no governo. Poderia levar o ministério do Turismo ou a presidência da Fundação Nacional da Saúde (Funasa).
Adesão tem seu preço
A presidente Dilma Rousseff está tentando fazer o que sempre foi feito, na avaliação do doutor em ciência política Sabino José Fortes Fleury. “Não é privilegio do atual governo, isso vem desde a Proclamação da República. A partir das décadas de 1960 e 1970 ficou muito maior, com a própria estrutura do governo ficando mais complexa”, diz. Autor de uma tese sobre o uso de cargos públicos para obter apoio político no país, Fleury desenvolveu em seu estudo uma fórmula para avaliar o quanto vale uma adesão e concluiu que a estrutura de cargos funciona quase como uma moeda. “O que é melhor, a pasta de Minas e Energia ou a presidência da Petrobras? Tudo isso é avaliado a partir do orçamento de investimento e custeio, estrutura de cargos. É tudo um cálculo estruturado. Se o meu apoio é importante, quero um cargo importante”, explica.
Além de servir para obter apoio, os cargos públicos também funcionam, segundo o estudo, como uma rede de proteção que não deixa desempregados aqueles candidatos derrotados nas eleições. Basta ver o grande número de ex-parlamentares derrotados em diretorias de estatais.
O professor de ciência política Carlos Ranulfo Félix de Melo diz que em alguns países, como Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, em função do sistema partidário, o presidente ou primeiro-ministro são fortes o suficiente para não ter de fazer negociações. Na maioria dos casos, porém, qualquer governante precisa começar a negociar assim que é eleito. “Em todo lugar você precisa chamar partido para apoiar o governo e ele vai querer participar dele somente em troca de espaço. Não tem nada de mais. O problema no Brasil é quando você chega em uma situação onde o partido do presidente tem pouco voto, aí tem que negociar com um número maior. O PSDB também passou por isso”, lembra.
Ranulfo afirma que de Getúlio Vargas a João Goulart e de Sarney a Dilma, todos montaram governos de coalizão. “No caso do Sarney, o PMDB era tão grande que precisou chamar somente o extinto PFL. Já a diferença do Fernando Henrique é que, na época, os partidos eram maiores e tinham mais força, por isso eram menos legendas (necessárias para governar)”, afirma. Segundo o professor, esse método de captar apoio ficou evidente na gestão tucana, quando FHC mandou ao Congresso a reforma da Previdência. “Vendo que seria muito difícil passar, ele chamou o PP para o governo. Política é assim. Quando preciso de votos, se não os tenho vou buscar.”
Ranulfo ponderou que o problema é quando se chama partidos que não pensam exatamente como o de quem está no governo, como é o caso da corrida de Dilma atrás do PP, que é de direita. “A esquerda tinha apenas 30% dos votos e isso complicou para o PT, que teve de chamar legendas que pensam de maneira muito diferente. O governo de coalizão funciona mais quando os partidos são mais próximos”, disse. Para o professor, atualmente, Dilma não tem base para governar e, se ela sobreviver ao impeachment, terá de reconstruir um governo.
É dando que se recebe
A frase, que faz parte da oração atribuída a São Francisco de Assis, também se tornou célebre na política ao ser dita pelo ex-deputado Roberto Cardoso, no Congresso constituinte, em 1988. Conhecido por Robertão, o antigo parlamentar soltou a pérola ao explicar o sistema de busca de apoio de parlamentares para garantir um mandato de cinco anos para José Sarney. À época, o peemedebista distribuiu cargos e concessões de rádio. Robertão liderou um grupo suprapartidário conservador chamado de Centrão.