Em uma apresentação que durou quase duas horas, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, apresentou ontem à comissão especial do impeachment a defesa da presidente Dilma Rousseff (PT) contra o processo que pode levá-la a perder o cargo para o qual foi eleita em 2014. A linha da defesa é que a petista não cometeu crime de responsabilidade com as chamadas pedaladas fiscais, portanto, faltam fundamentos jurídicos para justificar o impedimento. Cardozo acusou o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de ter acatado o pedido apresentado por três juristas em “vingança” ao processo que tramita contra ele no Conselho de Ética da Casa, o que configuraria “desvio de finalidade”.
No documento de cerca de 200 páginas, Cardozo argumentou que, para a configuração do crime de responsabilidade, é necessário que o ato seja contrário à Constituição Federal e tenha sido praticado pela presidente de forma dolosa. A defesa ainda apontou nos documentos o que é crédito suplementar e argumentou que eles não aumentam os gastos públicos, já que não mudam os limites fiscais. “Apesar de editados pela presidente, decretos de crédito servem a todos os poderes e são requeridos pelos respectivos gestores”, disse. Cardozo afirmou ainda que esse tipo de prática foi considerado adequado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2001, 2009 e 2010. Os juristas que apresentaram o pedido de impeachment alegam que os decretos deveriam ter sido aprovados pelo Congresso Nacional, e não apresentados pela presidente.
A AGU, no entanto, rebate afirmando que a Lei Orçamentária Anual (LOA) autoriza esse tipo de manobra para garantir maior facilidade no manejo orçamentário em ações consideradas “urgentes e essenciais”. “A análise dessa denúncia revelará de forma clara, indiscutível, a absoluta improcedência dos crimes de responsabilidade que são imputados à presidente”, resumiu Cardozo.
O argumento de que Eduardo Cunha agiu por “vingança” foi sustentado pela defesa ao lembrar que o presidente da Câmara só aceitou o pedido de impeachment – apresentado em 16 de outubro e acatado em 2 de dezembro – depois que a bancada do PT anunciou voto contra ele no Conselho de Ética da Casa. O peemedebista responde a um processo de quebra de decoro parlamentar por ter omitido a existência de contas no exterior durante depoimento na CPI da Petrobras. Devido a esse histórico, Eduardo Cardozo defendeu que o processo de afastamento de Dilma está “contaminado” e deve ser arquivado de imediato. Para o advogado-geral da União, os fatos demonstram que o Brasil está “à mercê de um chantagista”.
PEDIDO REJEITADO Pouco antes do início da sessão, o presidente da Comissão, Rogério Rosso (PSD-DF), rejeitou pedido da posição para impedir que José Eduardo Cardozo apresentasse a defesa da presidente. “É de prerrogativa da denunciada indicar sua representação junto a essa comissão na apresentação de sua manifestação. Não cabe a essa presidência impedir que se represente por quem desejar”, disse Rosso. A defesa foi apresentada no último dia do prazo de 10 sessões. A partir de hoje, começa a contar o período de cinco sessões para que o relator, Jovair Arantes (PTB-GO), apresente seu parecer, que, em seguida, será votado pela comissão do impeachment. Arantes informou que pretende apresentá-lo até a quinta-feira. (Com agências)
Pedaladas 35 vezes maiores
Levantamento do site Aos Fatos, em parceria com a agência de reportagens Volt Data Lab, demonstra que as pedaladas fiscais durante o governo Dilma tiveram um saldo 35 vezes maior do que as praticadas nos governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) juntos. Foram quase R$ 33 bilhões em operações durante a administração da presidente Dilma, somados os gastos com seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa-Família. Já as operações de seus antecessores somaram R$ 933 milhões. O levantamento ressalta, no entanto, que no governo FHC não foram feitas despesas com o Bolsa-Família, uma vez que o programa foi criado em 2003, no início do governo Lula. As informações usadas para o levantamento foram obtidas por meio de documentos recebidos pela Caixa Econômica Federal. As pedaladas teriam como objetivo ajudar o governo a cumprir as metas fiscais. O Tesouro Nacional atrasou repasses para bancos estatais que concederam financiamento a despesas do governo, entre elas gastos com programas sociais.