No dia seguinte à aceitação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT) pelos deputados federais, a petista saiu da defensiva e levou aos holofotes a guerra de bastidores que vem travando com o seu vice Michel Temer (PMDB-SP) e com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Dilma chamou o companheiro de governo de “conspirador” e afirmou que o processo contra ela foi conduzido por alguém que já deveria ter sido afastado do cargo por suas ilegalidades. Do outro lado, Temer foi a São Paulo onde se reuniu com ex-ministros para tratar dos próximos passos da articulação para o afastamento da petista
Ao falar pela primeira vez depois da derrota na Câmara, que aprovou a admissibilidade do impeachment com 367 votos, 25 a mais que o necessário, Dilma afirmou que está apenas “no início da luta”, e não no fim de seu mandato, e que estão “torturando” seus sonhos e direitos, momento no qual embargou a voz. “Não é o começo do fim, estamos no início da luta e ela será longa e demorada.” Disse se sentir injustiçada. “É estarrecedor que um vice-presidente no exercício do mandato conspire contra a presidente abertamente. Em nenhuma democracia do mundo uma pessoa que fizesse isso seria respeitada, porque a sociedade humana não gosta de traidores”, afirmou. A petista também se referiu ao fato de Eduardo Cunha ser réu na Lava-Jato e possuir contas não declaradas no exterior. “Me sinto injustiçada porque aqueles que praticaram ilícitos, que têm conta no exterior, presidem uma sessão que trata de uma questão tão grave, que é o impedimento de uma presidente”, disse.
Dilma disse ter assistido todas as intervenções dos deputados que votaram contra ela e ressaltou que nenhum deles usou como argumento o crime de responsabilidade, que seria razão para o seu impedimento. A presidente insistiu que não cometeu ilícito nem se beneficiou de recursos públicos e alegou que seus atos administrativos foram baseados em pareceres técnicos e avaliações jurídicas. “Saio com a consciência tranquila de que esses atos que pratiquei, não os fiz ilegalmente, não são baseados em nenhuma ilegalidade. E tenho certeza que todos sabem que é assim”, afirmou.
Em uma espécie de desabafo, Dilma disse ter sido injustiçada ainda porque em 15 meses não lhe permitiram governar com um clima de estabilidade política. Segundo a presidente, somente cinco das chamadas pautas-bomba deram um prejuízo de R$ 140 bilhões para o governo. Dilma diz que há ainda projetos, como o em curso de decreto legislativo que passa a correção da dívida dos estados para juros simples, provocando “um rombo no país de R$ 300 bilhões”.
A presidente disse se sentir torturada em seus direitos, mas que ainda é melhor do que o que passou na ditadura, e voltou a defender a democracia. “Há uma violência no Brasil contra a verdade, a democracia e o estado democrático de direito”. Para ela, é ruim que o mundo veja um processo ocorrendo em uma jovem democracia com essa “baixa qualidade” e há muito o que temer pelo cidadão. “Se é possível condenar uma presidente sem que ela tenha qualquer culpabilidade, o que é possível fazer com o cidadão que todos nós somos quando não somos presidentes?”, questionou.
CARTA DE INTENÇÕES Temer, que nos bastidores já trabalha para formar seu próprio ministério, recebeu em seu escritório político em São Paulo o ex-ministro da Aviação Civil e companheiro de PMDB Moreira Franco e o jornalista Thomas Traumann, que foi porta-voz e chefe da Secretaria de Comunicação Social no governo Dilma. Moreira Franco disse que era apenas uma conversa e que Temer tem noção do tamanho do desafio de poder assumir a Presidência da República.
Questionado se o vice-presidente já estaria pensando em uma equipe econômica para o seu futuro governo, respondeu: “É claro”. “Não só ele, mas o Brasil inteiro, todo mundo desesperado em busca de uma alternativa”, disse. “Na realidade, como tenho dito, o problema maior da sociedade brasileira hoje é a economia, o segundo problema é a economia, o terceiro problema é a economia. É absolutamente intolerável que tenhamos 284 brasileiros perdendo o emprego por hora”, afirmou.
Um interlocutor do vice informou que, se for vencida a etapa do impeachment, uma das primeiras medidas será a divulgação de um documento na sequência das propostas do PMDB que constam do texto “Uma ponte para o futuro”, elaborado pelo partido. A ideia é reafirmar a preservação dos programas sociais. Ainda na entrevista de ontem, Dilma voltou a falar no risco de extinção dos benefícios aos brasileiros e afirmou que um governo que não é eleito pelo voto popular não tem legitimidade.
A divulgação por Temer de uma espécie de carta de intenções seria um gesto de aproximação com os apoiadores da presidente Dilma. O documento elaborado por uma equipe de 18 pessoas é parte de um plano de construção de uma ampla aliança política que lhe garanta a governabilidade. Articuladores próximos ao vice-presidente informam que a ideia é dosar medidas impopulares com sinalizações para a população. Não deve ser colocada em votação logo de início uma reforma da Previdência, embora ela faça parte das propostas de Michel Temer. A avaliação é de que isso não contribuiria para pacificar as ruas.