"É indispensável que a contribuição da pessoa jurídica colaboradora propicie elementos inéditos para o Estado, ainda não descobertos, não apenas para o órgão celebrante, que pode obter a prova com os outros órgãos por empréstimo ou cooperação e não por leniência", destaca a procuradora. "Admitir que uma empresa receba benefícios em acordo de leniência em troca de informações de que o Estado já disponha gera radical incoerência no sistema e permite que o investigado subverta a ordem das coisas, em seu exclusivo benefício."
Ela Wiecko sustenta. "Imagine-se, por exemplo, que o Ministério Público Federal, em busca e apreensão, encontre documentos que esclareçam cabalmente certos fatos, sendo desnecessário firmar acordo (pois as provas já são suficientes). A empresa, para redução de danos, procura a Controladoria-Geral da União (CGU) e resolve celebrar acordo, apresentando como colaboração prova de que a CGU não dispõe, mas que o Estado, por meio do MPF, já tem em seu poder. Nenhum benefício para o interesse público resultaria desse acordo. A exclusiva beneficiada seria a empresa.
A procuradora-geral em exercício é taxativa. "Não cabe admitir atenuação das sanções e do regime da Lei 12.846/2013 por considerações de ordem macroeconômica. Um dos principais compromissos internacionais do Brasil no campo do combate à corrupção é a Convenção da OCDE contra a Corrupção. Seu artigo 5º é expresso em vedar omissão de ação dos Estados-partes por esse motivo."
Para Ela Wiecko, a Medida Provisória 703 "caminha na contramão da experiência internacional, que preconiza aplicação de sanções efetivas, proporcionais e dissuasórias em função das lesões, notadamente em caso de atos de corrupção, de maneira que agride os princípios constitucionais da finalidade e da eficiência".
Ela Wiecko destaca que o Brasil possui mais de 5.500 municípios, além dos 26 Estados e do Distrito Federal. "Com a permissão dada pela medida provisória, todos esses entes federados, por meio de seus numerosos órgãos de controle interno, poderiam celebrar acordo de leniência, ocasionalmente envolvendo, por exemplo, recursos federais que são amplamente transferidos pela União em áreas cruciais como saúde e educação, nas quais há crônico histórico de desvios e déficit de fiscalização."
A procuradora defende que é "indispensável a participação de órgãos federais, particularmente o Ministério Público Federal, na celebração dos acordos de leniência, a fim de que não haja transação em torno de bens federais por parte de outros entes da federação".
Para Ela Wiecko, "em investigações, sobretudo as complexas, com possibilidade de emprego de instrumentos como a colaboração premiada (regida pela Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013), é fundamental a participação do Ministério Público nos acordos de leniência, a fim de que possa aquilatar os efeitos globais do acordo sobre a responsabilidade de pessoas físicas e jurídicas, para além da esfera administrativa".
De acordo com a procuradora, a possibilidade de acordos de leniência sem participação nem fiscalização do Ministério Público é "contraproducente" para a própria finalidade da Medida Provisória 703/2015. "Se o Ministério Público constatar ilicitude em um desses acordos, decerto tomará medidas para invalidá-los. Essa possibilidade gera insegurança jurídica para as próprias empresas potencialmente interessadas, pois os benefícios acordados poderiam vir a ser suspensos ou cassados e seus dirigentes poderiam ser acusados criminalmente, a depender das circunstâncias. Essa, por sinal, é talvez uma das causas para não ter havido, até agora, nenhum acordo de leniência firmado com base na medida provisória.".