Eu faço essa defesa com tristeza, admitiu Cardozo ao Estadão. Tenho absoluta convicção de que estou defendendo a causa certa, mas o desejo político de alguns está fazendo a Constituição ser rasgada. Nunca pensei em enfrentar uma situação assim.
Ex-ministro da Justiça por cinco anos e dois meses, Cardozo é hoje o mais próximo conselheiro de Dilma. Está com ela desde a campanha de 2010, quando integrou o conhecido grupo dos três porquinhos, ao lado de Antonio Palocci e José Eduardo Dutra - morto no ano passado -, e ainda deverá acompanhá-la por um bom tempo.
Convencida de que será afastada da Presidência por até 180 dias, em votação marcada para quarta-feira, no plenário do Senado, Dilma quer que o titular da AGU seja agora seu advogado. Cardozo pedirá licença à Comissão de Ética Pública porque, a rigor, estará de quarentena. Trata-se de um período remunerado em que auxiliares não podem exercer atividades profissionais para evitar conflito de interesses.
Aos 57 anos, Cardozo passou da condição de ministro mais criticado pela República petista - que o acusava de não controlar a Polícia Federal - a arquiteto da narrativa do golpe contra Dilma. A redenção ocorreu depois que, pressionado pelo PT e sob tiroteio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele entregou o cargo na Justiça.
Na noite de 17 de abril, quando a Câmara autorizou a abertura do impeachment, Cardozo estava no Palácio da Alvorada, ao lado de Dilma.
De repente, com os olhos ainda vermelhos, o ex-presidente chamou Cardozo para uma conversa reservada. Queria mais explicações sobre a estratégia a seguir. De crítico feroz do ministro por causa da Operação Lava Jato e de outros senões do passado, Lula acabou lhe dando um crédito de confiança.
O Zé Eduardo descobriu sua vocação e agora está no lugar certo, disse o ex-presidente. Ele é incansável. Finalmente, está sendo reconhecido como advogado brilhante, afirmou o ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner.
Corredor polonês
Dois dias antes da votação do impeachment na Câmara, a caminho do plenário para defender Dilma, o ministro da AGU foi surpreendido por um corredor polonês, formado por um grupo de militantes. Cardozo/guerreiro/do povo brasileiro, gritavam os petistas. Fiquei perplexo, confessou o advogado-geral.
Apelidado no PT de pelicano - o mais tucano dos petistas -, Cardozo enfrentou grande tensão quando, em 22 de fevereiro, recebeu dez deputados de seu partido, que cobravam providências sobre a ofensiva da Lava Jato.
Você não vê que o Lula pode ser preso?, perguntou um deles. A reivindicação do grupo era uma só: substituir todos os superintendentes da Polícia Federal por petistas. O PMDB do vice-presidente Michel Temer também pedia a sua cabeça. Uma semana depois, Cardozo saiu. Não aguento mais a pressão, desabafou, à época.
Dilma, porém, o convenceu a migrar para a AGU. Preciso de você aqui, insistiu ela. A presidente costuma dizer que Cardozo se vira nos 30 e, por isso, jamais abriria mão dele.
A graça é maior do que a lei e cairá sobre Vossa Excelência, profetizou o senador evangélico Magno Malta (PR-ES), no dia 29, quando Cardozo ficou por quase dez horas na comissão do impeachment do Senado. Mas vocês estão querendo colocar uma mão de pilão na garganta de um pinto. O problema desse governo é a arrogância, que precede a ruína.
Na terça-feira, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a abertura de inquérito no Supremo contra Dilma, Lula e Cardozo para investigar denúncia do senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS), que acusou o trio de tentativa de obstrução da Lava Jato.
A portas fechadas, Cardozo disse que a delação premiada do ex-líder do governo é esquizofrênica e contraditória. Ora eu era omisso, ora o todo-poderoso, que interferia na Lava Jato. Chega até a ser engraçado, afirmou. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo..