Yes, nós temos banana
O Palácio do Planalto resolveu avacalhar o Congresso para melar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A manobra articulada pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, para anular a votação da Câmara, por meio de ato do seu presidente em exercício, Waldir Maranhão (PP-PB), e sustar o julgamento do pedido pelo Senado seria apenas um jus esperneandi se não servisse para lançar o país em mais confusão política, perturbar o mercado financeiro – a Bolsa despencou, o dólar subiu – e sinalizar para o mundo que o Brasil virou uma republiqueta de bananas.
A carnavalização da vida nacional é um estereótipo construído durante a 2ª Guerra Mundial, quando o ditador Getúlio Vargas namorava o Eixo e, ao mesmo tempo, barganhava vantagens nas negociações com os Estados Unidos para o Brasil entrar na guerra junto aos aliados. Nessa época, a Secretaria de Estado norte-americana, para seduzir os brasileiros, estimulou a produção de vários filmes e desenhos animados que exaltavam o nosso país, levando para Hollywood artistas como Carmem Miranda e Dorival Caymmi e o compositor Ary Barroso.
O resultado foi a construção de um estereótipo de paraíso tropical, sensual, que nada leva a sério, apesar das próprias mazelas. Para isso, foram produzidos personagens como Zé Carioca, de Walt Disney, e Carmem Miranda teve seu talento reconhecido e projetado mundialmente. Num de seus filmes, The Lady In The Tutti Frutti Hat, ela chega num carro de bois cheio de cachos de banana, com Harry Belafonte cantando ao fundo. A fruta é tratada como símbolo fálico, como na famosa marchinha de carnaval de 1938, de autoria de uma craque do gênero, Braguinha. Yes, nós temos banana, gravada por Carmem Miranda, exaltava, com bom humor, as qualidades da fruta. Diz o refrão: Yes, nós temos banana/Banana pra dar e vender/ Banana, menina tem vitamina/Banana engorda e faz crescer.
Apesar de tropical, a banana não é genuinamente nacional, caso da nossa jabuticaba. Veio da Ásia, onde é cultivada há mais de 4 mil anos. Chegou à Europa no século 1 a.C, levada pelos romanos. A expansão do islã levou a banana para a África, de onde veio para o Brasil, trazida pelos portugueses. Graças a isso, nos transformamos num dos maiores produtores mundiais e exportadores para os Estados Unidos, daí o sucesso do filme estrelado por Carmem Miranda. A música de Braguinha retratava um país agrícola, que produzia algodão, bananas, café e mate, o que era fato na época.
Espécie de jabuticaba institucional e de banana simbólica para o distinto público, a chicana governista foi simplesmente ignorada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), depois de consulta aos líderes da Casa. Renan classificou a atitude de Maranhão como uma brincadeira com a democracia. Não pode, porém, ser vista como uma ação isolada, tamanha a afronta que representa à maioria dos deputados que aprovou o impeachment na Câmara e desrespeito o Senado, cuja comissão especial já havia aprovado parecer favorável ao impeachment por ampla maioria. O objetivo da chicana é judicializar o impeachment, cuja fase de julgamento será conduzida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que assumira a presidência do Senado após o afastamento de Dilma Rousseff.
Sob vara
Não é crível que a presidente Dilma Rousseff não soubesse com antecedência do fato, como disse em audiência, uma vez que o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, admitiu que se reuniu com Maranhão na sexta-feira e no domingo à noite, além de reconhecer que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), participou diretamente da manobra. Renan ignorou a decisão do presidente interino da Câmara, mas surpreendeu o plenário ao exigir que a cassação do senador Delcídio do Amaral (MS), ex-líder do governo no Senado, fosse votada hoje, antes da admissibilidade do impeachment de Dilma, cuja apreciação foi mantida para amanhã. Caso aprovada, o vice Michel Temer assumirá a Presidência provisoriamente. E o Senado terá até 180 dias para julgar o pedido.
Com tanta confusão, a imagem do país no exterior é cada vez pior.