Em um de seus discursos mais incisivos desde que tomou posse há 20 dias, o presidente em exercício Michel Temer (PMDB) usou a solenidade de posse dos presidentes dos bancos públicos e da Petrobras para enviar uma série de recados à administração da presidente afastada Dilma Rousseff, ao PT e aos seus adversários. Em vários momentos, destacou a necessidade de retomar a confiança no futuro. A primeira indireta veio logo no início, ao ressaltar o “perfil de competência e eficiência” dos nomeados para a Petrobras, Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal. Aliás, a palavra eficiência também apareceu diversas vezes em sua fala, sempre em contraposição ao que considera erros cometidos pela gestão petista. “O país se encontra mergulhado em uma das grandes crises de sua história. Problemas ocasionados por erros comprometeram a governabilidade e a qualidade de nossa gente”, afirmou.
O presidente em exercício descreveu o “cenário” em que encontrou o país, depois do afastamento de Dilma. “Não falarei de herança de nenhuma espécie. Apenas revelo a verdade dos fatos para que oportunistas não venham debitar os erros no nosso governo.” A frase é uma referência direta à expressão “herança maldita” cunhada por petistas que diziam que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia recebido das mãos do tucano Fernando Henrique Cardoso, em 2003, um país cheio de problemas, como inflação alta e baixo crescimento. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,3% no primeiro trimestre deste ano em comparação com os três meses anteriores, segundo dados divulgados nessa quarta-feira (1º) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi a quinta queda trimestral seguida do PIB brasileiro.
“Precisamos modificar esses hábitos que se instalaram como se o passado fosse responsável por tudo”, ponderou. Segundo ele, esses “eventuais oportunistas” já falam que em apenas 19 dias de governo ele é o responsável pelos 11 milhões de desempregados. “Percebem?”, indagou à plateia, formada por executivos. Temer disse ainda no início de seu discurso que apesar do pouco tempo no cargo, “a impressão” que ele tem é de que já se passaram três ou quatro anos.
Além de citar o desemprego, Temer disse que a inflação ainda inspira vigilância e lembrou que o déficit – estimado em R$ 96 bilhões pelo governo anterior – ultrapassou a marca dos R$ 170 bilhões na revisão da equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Tenho a mais absoluta convicção de que é possível reverter esse quadro, retomar a confiança e o crescimento”, afirmou.
Ao fazer um balanço dos primeiros dias de seu governo interino, Temer disse que já conseguiu apresentar ao país uma “agenda construtiva”. Listou como pontos dessa agenda a redução no número de ministérios e a aprovação pelo Congresso da nova meta fiscal. E agradeceu aos parlamentares da base aliada pela primeira “vitória” do governo, numa nova cutucada à presidente afastada, que desde a posse para seu segundo mandato, no ano passado, tentava aprovar o ajuste fiscal comandado pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy.
GASTOS Temer afirmou que o governo deve enviar um projeto estipulando um teto para os gastos públicos, mas disse garantir que os percentuais de recursos destinados à saúde e educação não serão modificados. “Quero registrar, para não haver exploração no sentido contrário, que, sem embargo da limitação de despesa, os percentuais referentes à saúde e à educação não serão modificados”, afirmou o presidente em exercício.
Na semana passada, no anúncio de medidas econômicas, o governo havia anunciado que iria propor incluir na proposta de emenda constitucional (PEC) que estipula um limite para o gasto, alterando os mínimos constitucionais para as pastas de saúde e educação. “Todas essas medidas não reduziram da noite para o dia nossos imensos problemas”, afirmou. “Mas é preciso retomar a confiança, o caminho do crescimento econômico e da geração de empregos”, completou. Temer também reconheceu que haverá sacrifícios: “Digo aquilo que em momento de dificuldade se diz. Nós teremos sacrifícios”.
UNIDADE O presidente pediu um “pensamento unitário” para enfrentar a crise pela qual o país passa. “Dar as mãos para juntar os contrários, colocar os interesses do Brasil acima dos interesses dos grupos”, discursou, em indireta aos movimentos de sem-terra e sem-teto, entre outros, que lideram protestos contra seu governo.
Temer deu posse a Pedro Parente, na Petrobras; Maria Silvia Bastos Marques, no BNDES; Paulo Rogério Caffarelli, no Banco do Brasil; Gilberto Occhi, na Caixa Econômica Federal; Ernesto Lozardo, no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea); e Paulo Rabello de Castro, no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao final do discurso, o peemedebista foi cortante ao afirmar que a mensagem que transmitia a cada um dos empossados era clara: “A Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Ipea e o IBGE são patrimônio não deste ou daquele governo, não deste ou daquele grupo político. São patrimônio do conjunto da sociedade brasileira”.
Temer pediu a eles que sejam “absolutamente intransigentes” com ilegalidades. Na última segunda-feira, o governo teve sua segunda baixa em poucos mais de duas semanas de governo. Ambos os casos – Romero Jucá ( Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência) – ocorreram por causa de gravações com críticas à operação Lava-Jato. (Com agências)