Casos, muitos que já integram o folclore da política mineira, foram relembrados por amigos e correligionários políticos, durante o velório do ex-governador Hélio Garcia. Ele morreu nessa segunda-feira (6) pela manhã, aos 85 anos, em Belo Horizonte, em decorrência de complicações causadas por uma pneumonia. A doença atingiu o homem debilitado mentalmente, que fazia uso de marcapasso e tinha insuficiência vascular. Surpreendendo até o último minuto, em desejo expresso por escrito, Hélio Garcia pediu que fosse cremado e, se velório houvesse, que fosse rápido. Por isso a família preferiu que o corpo fosse traslado diretamente ao Cemitério e Crematório Parque da Colina, na Zona Oeste da capital, em vez de velá-lo no Palácio da Liberdade, como de praxe em caso de morte de ex-governadores.
Por volta das 15h o corpo foi recebido no cemitério por cadetes da Polícia Militar, que dispararam tiros de festim e, empunhando as bandeiras de Minas e do Brasil, abriram alas para o adeus ao último de uma geração de grandes políticos que cunharam o folclore da política mineira na história nacional. Durante três horas, mais de mil pessoas passaram pelo velório para prestar solidariedade às filhas Adriana, Andréa e Daniela, que receberam cumprimentos de antigos correligionários e amigos, e à ex-mulher Margarida Silésio.
Estiveram presentes no velório o governador Fernando Pimentel, o prefeito Marcio Lacerda (PSB), os ex-governadores Aécio Neves (PSDB), Alberto Pinto Coelho (PP), Newton Cardoso (PMDB) e Eduardo Azeredo (PSDB), o ex-senador Arlindo Porto, o ex-prefeito Sérgio Ferrara (1985-1989), o ex-deputado federal que foi secretário da Fazenda em seu governo, Roberto Brant, entre tantos outros políticos como o deputado Saraiva Felipe, o ex-presidente da Assembleia Dinis Pinheiro e jornalistas como JD Vital e Márcio Fagundes, entre outros que cruzaram e, em algum momento, fizeram parte de sua trajetória política. O curador de Garcia, Francisco Luiz Moreira Penna lamentou a morte: “Foi-se um amigo de 50 anos”.
Não faltaram histórias. Ao comentar a sua campanha ao Senado, em 1994, com a candidatura decidida em última hora, Arlindo Porto, que era vice de Hélio em seu segundo mandato (1991-1994), tinha apenas 45 dias para bater o favorito, o então expoente petista Virgílio Guimarães. “Sempre nas madrugadas ele sentava-se ao lado do telefone e disparava ligações aos prefeitos e aliados no interior”, lembra Arlindo Porto. Um dia, ao indagar-lhe o porquê do horário inconveniente, Hélio explicou: “Quando recebem um telefonema naquele horário, já pela manhã, a primeira coisa que vão fazer é ir para rua contar que foram chamados pelo governador de madrugada, que pediu votos para Arlindo Porto”.
O ex-prefeito Sérgio Ferrara, que se sentou à cadeira graças ao apoio decisivo de Hélio Garcia nas eleições municipais de 1985, lembra como desbancou a candidatura então favorita de Maurício Campos. “Andávamos em corpo a corpo pelas ruas e eu, que tinha um problema físico, ficava sempre para trás”, conta Ferrara. “Eu chamava: ‘Hélio, me espera. O candidato sou eu’”, afirma. Naquela campanha, um padre, ativista de movimentos sociais, pediu que o então governador assinasse um compromisso de construir casas populares. Hélio reagiu: “Não vou assinar nada. Sou da época do fio do bigode. Se acreditar em mim, bem. Senão, amém”. Saiu andando. Cumpriu a promessa.
Muitas pessoas que partilharam da intimidade do ex-governador, enfermeiros, garçons, foram dar o adeus ao político que admiraram, como Alaíde José Alves, de 82 anos, que foi governanta do palácio e babá das filhas, o funcionário público que era gari Lucas Alves Ramos e o enfermeiro que cuidou do ex-governador nos últimos 11 anos. “Foi um ser humano extraordinário. Simples, gostava de gente e tinha o dom de tratar a todos como iguais”, afirma Donizetti Ribeiro.
O ex-governador Hélio Garcia nasceu em Santo Antônio do Amparo, Sul de Minas, em 16 de março de 1931, filho de Júlio Garcia, ex-prefeito de Perdões, e de Carmelita Carvalho Garcia. O seu avô materno, Antônio Carlos Carvalho, foi fundador do Banco de Minas Gerais e um dos signatários do Manifesto dos Mineiros (1943), documento em que a elite liberal mineira denunciava a ditadura do Estado Novo (1937-1945) de Getúlio Vargas e reivindicava a redemocratização do país.
Trajetória vem de família
O ex-governador Hélio Garcia nasceu em Santo Antônio do Amparo, Sul de Minas, em 16 de março de 1931, filho de Júlio Garcia, ex-prefeito de Perdões, e de Carmelita Carvalho Garcia. O seu avô materno, Antônio Carlos Carvalho, foi fundador do Banco de Minas Gerais e um dos signatários do Manifesto dos Mineiros (1943), documento em que a elite liberal mineira denunciava a ditadura do Estado Novo (1937-1945) de Getúlio Vargas e reivindicava a redemocratização do país.
Formado em direito, começou a carreira política elegendo-se deputado estadual em 1962, durante o governo de Magalhães Pinto. Governador de Minas por duas vezes, prefeito de Belo Horizonte, deputado federal formado nas escolas do udenista Magalhães Pinto e pessedista Tancredo Neves, Hélio Garcia marcou a política mineira, principalmente no período compreendido entre os anos 80 e a primeira metade da década de 90.
Escolhido por Tancredo Neves para ser, em 1982, o vice em sua chapa na disputa ao governo de Minas, teve papel fundamental não apenas na campanha que derrotou numa disputa apertada o candidato do governo militar, Eliseu Resende, do Partido Democrático Social (PDS). Hélio foi também um dos principais articuladores do Acordo de Minas, que garantiu a repetição no estado das negociações que viabilizaram a formação da Aliança Democrática – , coligação do PMDB com a Frente Liberal (dissidência do PDS liderada por Aureliano Chaves) – para o lançamento da candidatura de Tancredo à Presidência em agosto de 1984.
Os últimos anos de sua vida foram reclusos. Hélio pouco saía de sua casa na rua Paracatu do bairro Santo Agostinho. Enfrentou diversos problemas de saúde. Lapsos de memória evoluíram para esquecimentos e dificuldades inclusive de reconhecer mesmo pessoas próximas. Teve graves problemas circulatórios, osteoporose e insuficiência coronária. Usava marcapasso em decorrência de uma arritmia. Em outubro de 2006, foi interditado.
Adriana, filha mais velha, com o apoio da irmã do meio, Andréa, foi a curadora do pai até 2009, quando o advogado Evandro de Pádua Abreu, que no segundo governo de Hélio Garcia chegou a acumular várias pastas, assumiu a função. Mas a gestão da curatela do antigo correligionário, que se estendeu até 2012, trouxe mais problemas do que soluções. Evandro de Pádua foi condenado por ter deixado de efetuar pagamentos e despesas essenciais como plano de saúde, contas de água, luz, tevê por assinatura, telefone fixo, celular, condomínio, entre diversas outras, o que levou à inclusão de Garcia no cadastro de pessoas inadimplentes. Francisco Luiz Moreira Penna foi nomeado curador em substituição a Evandro de Pádua.
"Não Brigo, mas também não faço as pazes"
Hélio tinha estilo único. Odiava as luzes da ribalta. Mas amava os bastidores: “Política deve ser feita à noite, de chapéu e sobretudo, dentro de um táxi em movimento”, pregava. Era discreto. Pensava muito e falava pouco. Mas quando o fazia, usava o seu arsenal de tiradas. Não era nem cruzeirense, nem atleticano, mas americano “por parte do pai, e pai não se contraria”, explicava.
Gostava de dizer que não tinha inimigos, porque nem tempo para fazer novos amigos tinha. Também repetia: “Não brigo, mas também não faço as pazes”.
De poucas palavras, era nos gestos em que a esfinge se decifrava. Na década de 90, certa vez, a pedido do então presidente Itamar Franco, José Aparecido foi conversar com Hélio no Palácio das Mangabeiras. Um não confiava no outro. A “rixa” vinha de longe: Zé Aparecido, que era peemedebista, sentiu-se preterido quando, em 1982, Hélio Garcia foi anunciado por Tancredo Neves como o seu vice, posição que pleiteava mas, acreditava, perdera quando viajara para uma cirurgia cardíaca em Cleveland, nos Estados Unidos. Mais de 10 anos depois desse episódio, Zé Aparecido chegava ao Palácio da Liberdade levando uma testemunha para a conversa com o governador mineiro. Ao ser recebido por Hélio em pessoa, no entanto, notou que também ele se encarregara de chamar não uma, mas duas testemunhas.
Ao mandar recados, Hélio era sempre certeiro: “No nosso comício teremos bandeiras brancas e pretas, azuis, verdes e amarelas, vermelhas, todas, porque não temos preconceito de cor’”, anunciou em 1984, já governador, durante a campanha de rua de Tancredo, destinada a legitimar a disputa indireta à Presidência da República. Hélio mirava no governador do Pará, Jarbas Barbalho, que havia mandado a polícia recolher as bandeiras vermelhas de apoio a Tancredo durante comício .
Durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, permaneceu em silêncio. Mas, quando Itamar Franco assumiu a presidência, declarou que o país tinha o “dever moral” de apoiar o seu antigo adversário político.