Propina a vereadores em Governador Valadares era paga mensalmente

Parlamentares de Valadares são denunciados pelo MP por receberem mensalinho de empresa de transporte. Para embolsar a verba, eles votaram até aumento de passagem acima da inflação

Paulo Henrique Lobato - Enviado especial
O último reajuste da passagem em GV, ocorrido em fevereiro, foi de 15,8%, bem acima da inflação, atendendo a interesses da Valdarense - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press

Governador Valadares – O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em Governador Valadares denunciou ontem 35 pessoas por corrupção, peculato e outros crimes, entre eles 12 vereadores e dois secretários municipais. O pedido de prisão coletivo é um dos desdobramentos da operação Mar de Lama, que apura o desvio de dinheiro público, fraude em licitações e o pagamento de um mensalinho aos parlamentares da maior cidade do Vale do Rio Doce, com cerca de 300 mil habitantes.

A denúncia, a qual o Estado de Minas teve acesso, foi dividida em duas peças. A primeira leva em conta a propina paga aos vereadores, batizada pelos próprios envolvidos de “passaginha”, pois era financiada pela Valadarense, empresa que detém o monopólio do transporte público de passageiros na cidade. Os valores mensais – alguns pagamentos foram quinzenais – variaram de R$ 2,6 mil a R$ 20 mil, dependendo da importância do parlamentar para os interesses da organização criminosa.

Cinco dos 12 vereadores denunciados estão presos desde maio. Também no mês passado, por decisão judicial, os outros sete foram afastados da Câmara Municipal. Em contrapartida à passaginha, os parlamentares votaram projetos de lei em acordo com os interesses da Valadarense, como o aumento do preço das passagens, hoje em R$ 3,30. O último reajuste, em fevereiro, foi de 15,8%, bem acima da inflação de 2015 (10,71%).

" os envolvidos se associaram para, de maneira estável e habitual, praticarem os crimes de corrupção ativa e passiva", afirmou Eduardo Ventura, promotor de Justiça - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Em outra ocasião, uma proposta que previa a gratuidade do transporte gratuito aos deficientes físicos foi retirada da pauta da Câmara a pedido dos donos da empresa. Em gravação telefônica autorizada pela Justiça, os investigadores da Mar de Lama descobriram que se a empresa fosse onerada por meio de projetos de lei que tramitassem no Legislativo descontaria o custo da “passaginha” dos vereadores.



Os pagamentos foram repassados da empresa aos parlamentares, segundo a denúncia, por agentes públicos com bom trânsito no Legislativo e influência no Executivo. Omir Quintino, ex-diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), autarquia municipal, é considerado o cabeça da organização. O tesoureiro, de acordo com a Mar de Lama, é Vilar Rios, ex-diretor do Saae. Ambos foram detidos em abril.

“Ao longo das tratativas, Omir informa (a outra pessoa) ter sido procurado por Juliana (sócia da Valadarense) e deixa transparecer que, se porventura aquela empresa fosse onerada com a construção dos banheiros (próximos a pontos de ônibus), os custos seriam repassados para o valor da passaginha”, segundo consta na denúncia, assinada pelos promotores Evandro Ventura e Ingrid Val.

De acordo com as investigações, os vereadores votavam conforme os interesses dos donos da Valadarense - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
“Os envolvidos se associaram para, de maneira estável e habitual, praticarem os crimes de corrupção ativa e passiva, bem como a advocacia administrativa, consistente em superfaturamento nos contratos firmados com o poder público. De julho de 2015 a fevereiro de 2016, constatou-se a prática de diversos crimes cometidos pelos denunciados”, concluiu Ventura.

CADERNO Uma agenda encontrada no início da operação Mar de Lama na sala de trabalho de um dos indiciados ajudou os promotores a fundamentar a denúncia. Batizada de caderno de propina, a agenda associa parlamentares a valores recebidos indevidamente por empresários.

Os promotores devem conceder hoje uma entrevista coletiva à imprensa. A Prefeitura de Valadares informou que instaurou sindicância em contratos envolvendo a empresa de ônibus e que, tão logo a operação da PF foi deflagrada, exonerou os servidores envolvidos. A Câmara Municipal informou que os suplentes dos vereadores afastados foram empossados.

Chefe do esquema

Na segunda denúncia do Ministério Público, os promotores pediram a prisão de 15 pessoas, sendo a maioria empresários, por crimes de corrupção e peculato, entre outros. Eles são acusados de cometer fraude com recursos públicos destinados a obras para minimizar os danos causados pelas fortes chuvas ocorridas no fim de 2013.

Três dos denunciados são funcionários da autarquia de água e saneamento básico, conhecida pela sigla Saae, e foram listados também na primeira peça.

“Durante as investigações realizadas no âmbito federal e estadual, constatou-se que o denunciado Omir Quintino Soares, na condição de diretor-geral do Saae, era, na verdade, o verdadeiro chefe do esquema criminoso descortinado”, concluiu o promotor Evandro.

Os promotores apuraram que fornecedores entregaram ao poder público produtos em quantidade menor do que a combinada em licitação, porém, o pagamento foi a maior. A investigação constatou que o chamado modus operandi dos crimes era semelhante.

“Inicialmente, há a facilitação para que as empresas tenham acesso aos contratos públicos.
Em seguida, combina-se o superfaturamento por parte da empresa, consistente em prestar serviço ou fornecer produto em quantidade muito inferior à atestada. Após, há a facilitação do pagamento (a empresa que não entra no esquema, em regra, tem dificuldades para receber do Saae), sendo que a parte superfaturada entra como ‘custo político’ ou simplesmente como vantagem indevida”, escreveu o promotor.

A empresa Valadarense foi procurada, mas até o fechamento desta edição não respondeu as perguntas enviadas pela reportagem.

O nome da operação

A Mar de Lama foi inspirada na destruição causada pela chuva em Valadares em 2013. A União repassou verba ao município, mas parte foi desviada por funcionários do Saae. Em investigação aprofundada, a força-tarefa formada pelo MPMG, Ministério Público Federal, Polícia Federal e Controladoria Geral da União (hoje Ministério da Transparência) apurou uma série de outras fraudes.

Lista de denunciados na primeira peça   

Vereadores


l Adauto da Silva (Adauto Carteiro)
l Ananias da Silva (Ananias Camelô)
l Marcos Alves da Silva (Chiquinho)
l Geovanne Honório
l Isá Batista (Cabo Isá)
l José Iderlan
l Leonardo Glória
l Levi Vieira (Levi Presidente)
l Marinaldo Amorim (Zangado)
l Mílvio José da Silva (Milvinho)
l Ricardo Assunção
l Sezary Alvarenga (Cezinha)
 
Secretários municipais e servidores públicos

l Ranger Belisário, secretário de Governo
l Marco Rios, secretário de Serviços Urbanos
l Omir Soares, diretor-geral do Saae
l Marcos Vória, diretor de Serviços Funerários e Cemitério
l Vilmar Rios, diretor-adjunto do Saae
l José Afonso, diretor do Saae
l Evandro Karister, funcionário da autarquia de saneamento básico (Saae)
 
Empresários

Juliana Schettino, ócia da Valadarense
Roberto José Carvalho, ócio da Valadarense

Outros

Arielle de Oliveira, ssessora do vereador Chiquinho
Jean Carlos, erente de posto de gasolina

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