“Então me orienta, especificamente, o que temos que fazer juntos... É só eu e você, p..., não tem gravador, não tem p... nenhuma”. No país da banalização das interceptações telefônicas e das delações premiadas, este diálogo pode ser considerado o dinossauro dos grampos, que teve a força de derrubar o sindicalista Rogério Magri, de 75 anos, a época ministro do Trabalho e Previdência Social do governo Fernando Collor de Mello, acusado de corrupção passiva. As conversas são entre Magri e seu então assessor Volnei Ávila, interceptadas nos idos de março de 1992, quando não se podia imaginar que, duas décadas depois, a política brasileira seria pautada pelos grampos e gravações de delatores.
Quem nos faz voltar no tempo é o perito Ricardo Molina – com formação em música, mestrado em linguística e doutor em ciências –, que em seu livro O Brasil na fita (Editora Record), remonta por ordem cronológica o Brasil dos governos Collor a Dilma. Passa também pela segurança pública, demonstrando o despreparo, que ficou patente na morte do tesoureiro de Fernando Collor, Paulo César Farias, O PC Farias, e sua namorada Suzana Marcolino, em 23 de junho de 1996, até hoje envolva em circunstância nebulosas. Uma crise que perpassa também pela política, já que PC Farias era o homem-bomba de Fernando Collor, presidente cassado em razão de movimentação de caixa 2 de campanha. Um escândalo que hoje parece brincadeira de criança perto do mensalão e do petrolão
Injustiçado
Hoje, dedicado exclusivamente ao sindicalismo, Rogério Magri – assessor da Força Sindical – diz que foi injustiçado porque a conversa foi analisada de forma “descontextualizada”.
No entanto, compara seu caso aos dos caciques do PMDB – Eduardo Cunha, José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros, entre outros –, que foram gravados em conversas informais com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que comprovariam a ação deles para barrar investigações da Lava-Jato. “O Sérgio Machado fez amizades com as pessoas e, para se ver livre da cadeia, se aproveitou para gravar conversas”, explica Magri. Para se defender, diz também que o dinheiro que teria recebido, 30 mil dólares, de uma empresa não tinha suas digitais porque a liberação da obra não estava nas duas pastas que comandava à época.
Socorro
As alegações de Magri, no entanto, não encontram respaldo no trabalho do perito Molina. Ele conta que, à época, a PF – então comandada pelo delegado da Polícia Civil de São Paulo, Romeu Tuma –, não tinha condições técnicas de fazer a degravação da conversa, feita por Volnei com um gravador microcassete estrategicamente colocado dentro do bolso de seu paletó. A ideia partiu da deputada estadual do Rio, Cidinha Campos (PDT). Com a batata quente na mão e sob a pressão da imprensa, Tuma se socorreu na Universidade de Campinas (Unicamp) para comprovar que a voz era de Magri e que a gravação não tinha sido montada. “Naquela época, gravações raramente eram usadas como prova. O principal motivo era a falta de especialistas que pudessem garantir tecnicamente sua autenticidade”, explica Molina no seu livro, que tem um capítulo dedicado exclusivamente ao sindicalista Magri.
Com técnica limitada
Apesar do trabalho bem-sucedido, que inscreveu o nome de Rogério Magri, entre os ministros falastrões da República, a falta de recurso técnicos foi um dificultador à época. O perito Ricardo Molina conta que foram necessárias duas semanas – o que hoje seria feito em apenas três dias –, até a conclusão do laudo mas pelo menos dois detalhes foram importantíssimos para se concluir a veracidade da fita. Durante o trabalho, Molina descobriu no fundo da gravação o som de um relógio carrilhão tocando de 15 em 15 minutos. A gravação continha cinco horas de conversas gravadas. E, logo depois disso, identificaram ainda o barulho da cadeira na qual Volnei se sentara. “Era uma cadeira giratória, que rangia de modo muito particular a cada vez que ele se mexia. E ele se mexia muito, pois, provavelmente, estava nervoso com a situação”, revela o perito. Tanto o relógio quanto a cadeira faziam parte do cenário da gravação da fita, o gabinete de Magri.
A partir disso, a carreira de ministro do sindicalista Magri começou a ruir. O Congresso aprovou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a corrupção no então Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O INSS, por sua vez, revela Molina, identificou as empresas que obtiveram escalonamento de dívidas durante a gestão do sindicalista para saber porque os nomes de pelo menos 43 delas desapareceram da lista devedores. Magri se manteve no cargo por apenas dois anos, 1990 a 1992. Ele diz que foi a primeira vítima da trama maior que era derrubar o presidente Fernando Collor. “Eles queriam o Collor e eu fui o primeiro alvo”, revela hoje.
Magri diz que não foi a experiência ruim com a delação que o fez desistir de seguir a carreira política. “Eu fui ministro por acaso”, garante. Ele contou que, em 1989, foi eleito presidente da Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e apoiou Collor durante a campanha eleitoral. “Um dia, ele esteve em visita a uma metalúrgica e se comprometeu com os trabalhadores que, se eleito, o ministro do Trabalho seria um operário. Desta forma, depois da vitória, o procuramos para indicar o nome do sindicalista e metalúrgico Sebastião de Paula Coelho. Na reunião, estávamos eu e o Luiz Antônio de Medeiros Neto, fundador da Força Sindical. Dias depois me chamaram e achei que tinha emplacado o nome, mas, para minha surpresa, o convite foi para mim”, relembra.
Magri revela que, mesmo depois de ministro, nunca pensou em seguir a carreira política como deputado ou senador. “Faço hoje o que mais gosto e considero mais relevante: a política sindical e a política partidária. Viajo por todo o país, mas fazendo aquilo que acredito. Estou na ativa e feliz”, conta.
De escuta em escuta
Se a gravação de Rogério Magri é emblemática por se uma das primeiras a interferir na vida política do país, o livro O Brasil na fita (Editora Record), de Ricardo Molina, mostra que outros figurões ainda na década de 1990 também tiveram seus episódios com conversas gravadas. Entre eles está ainda Antônio Carlos Magalhães, ACM, o Rei da Bahia, e ainda o controverso político Anthony Garotinho, ex-governador do Rio de Janeiro. ACM caiu em uma conversa com o também polêmico, procurador da República, Luiz Francisco Fernandes de Souza, que não perdeu a oportunidade de o gravar.
Na conversa, ACM admitiu que leu a lista de votos do painel do Senado, durante votação de cassação do então senador Luiz Estevão – investigado e condenado por envolvimento com o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, no esquema de desvio de obras do Tribunal Regional do Trabalho. Luiz Estevão foi preso este ano para começar a cumprir sua pena. Apesar de grampeado, até morrer em 2007, aos 79 anos, ACM não teve maiores dores de cabeça com os grampos.
Anthony Garotinho, em julho de 2001, conta Molina, foi pego também em uma conversa gravada em 1995, com o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Jonas Lopes de Carvalho, afirmando que fez o pagamento de propina ao auditor fiscal que autorizou o sorteio de carros e uma casa no programa de rádio Show do Garotinho, que o político comandava. E Molina mostra também, de escuta em escuta, que muitos outros políticos tiveram suas intimidades violadas, como Joaquim Roriz e José Roberto Arruda, ex-governadores do Distrito Federal, além dos ex-presidentes José Sarney (PMDB) e Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas o livro de Molina, além do resgate da história recente do país, ainda nos faz relembrar casos policiais – chacina de Vigário Geral, massacre do Eldorado dos Carajás, a prisão do cantor Belo por tráfico de drogas, entre outros – até casos de amor como as do Rei Pelé com uma ex-namorada, passando por textos do piloto Airton Sena, ainda com apenas 19 anos, até o resgate da autoria de gravação de Elizeth Cardoso, a Divina. Ou seja, uma viagem deliciosa pelo tempo nos bastidores de casos que marcaram a vida do país.
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