Incerto e derradeiro
Os últimos versos de Nevoeiro (in Mensagem), de Fernando Pessoa – Tudo é incerto e derradeiro/ Tudo é disperso, nada é inteiro/ Ó Portugal, hoje és nevoeiro.../É a Hora! –, se encaixam como uma luva na situação política que o país enfrenta, na qual o impeachment da presidente Dilma Rousseff é inexorável. As tentativas de reverter o afastamento definitivo da presidente são uma espécie de colete salva-vidas para os apoiadores do governo fracassado, ao reforçar a narrativa do falso golpe de Estado.
O que é incerto? Não é na economia, onde o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, dá as cartas e segue o roteiro liberal para ajustar as contas públicas, combater a inflação e repor o país na rota do crescimento no próximo ano. A incerteza está no quadro político pós-impeachment, em razão dos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Sabe-se que mais de um terço do Senado e outro tanto da Câmara estão sob investigação. As dúvidas são quanto à extensão do envolvimento dos partidos de oposição e à imunização do presidente interino, Michel Temer.
O envolvimento da cúpula do Senado na crise ética não chega a ser um beco sem saída político, por dois motivos: primeiro, o julgamento do impeachment de Dilma, previsto para agosto, será presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal; segundo, é improvável que o ministro-relator da Lava-Jato, Teori Zavascki, aceite o pedido de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, antes do julgamento; e, caso isso ocorra, depende de aprovação do Senado. Portanto, é preciso apenas paciência para esperar a conclusão dos trabalhos da comissão especial encarregada do impeachment, que virou palanque para o esperneio petista.
A propósito, por mais que a presidente Dilma se autoengane, a chicana comandada pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo em sua defesa, com a apresentação de 48 testemunhas, do ponto de vista da opinião pública, funciona como um tiro no pé. Não será fácil a vida dos senadores da tropa de choque dilmista nas próximas eleições majoritárias, tal o grau de antipatia que a hiperexposição nas sessões da referida comissão irradia. O aspecto positivo é o desmascaramento da narrativa do golpe a cada reunião da comissão.
A incerteza está do outro lado do Congresso, na Câmara dos Deputados, cujo presidente interino, Waldir Maranhão (PP-MA), não tem a menor condição de conduzir as sessões, seja porque a antiga oposição não aceita sua liderança, seja porque é um atrapalhado mesmo. Afastado do cargo pelo ministro Teori Zavascki, Eduardo Cunha(PMDB-RJ) não voltará ao comando da Casa. Maranhão não consegue comandar a Câmara, mas é o substituto legal de Michel Temer na Presidência. É por isso que sua substituição é urgente.
Delação premiada
Hoje, o Conselho de Ética da Câmara deve votar o pedido de cassação de Cunha, cuja aprovação estaria pelo voto da deputada Tia Eron (PRB-BA), que até agora foi uma esfinge. O principal aliado do peemedebista no conselho, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), iniciou ontem uma tentativa de negociação para evitar a aprovação do relatório do deputado Marcos Rogério (DEM-RR), que pede a cassação do parlamentar afastado. Pelo acordo, o presidente da Câmara renunciaria ao cargo em troca de uma punição mais branda. É um sinal de que Cunha perdeu o controle da situação, mas também é um aviso aos navegantes, em meio ao nevoeiro, de que a cassação pode resultar numa delação premiada.
Essa possibilidade deixa muita gente de cabelo arrepiado, até mesmo no Palácio do Planalto, porque a cassação do mandato e a perda de imunidade parlamentar farão com que Cunha seja julgado pelo juiz Sérgio Moro, na Vara Federal de Curitiba, em companhia de sua esposa, a ex-apresentadora de tevê Cláudia Cruz, que já é ré em primeira instância. Comenta-se, nos bastidores do Congresso, que Cunha avisou a gregos e baianos que fará acordo de delação premiada se for abandonado pelos antigos aliados. Alguns já temem que um dos colegas esteja gravando suas conversas, como fez o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP).
A votação no Conselho de Ética hoje dirá se a cabeça de Cunha vai rolar, apesar das chantagens, ou se houve acordo nos bastidores da Câmara, para salvar seu mandato em troca de sua renúncia à presidência. Tradicionalmente, a Câmara costuma ofertar cabeças aos eleitores para purgar seus males.