Impeachment e Lava-Jato põem eleições em segundo plano para brasileiros

Levantamento feito pelo EM mostra o pouco interesse do brasileiro pela disputa municipal e que turbulências na capital federal se sobrepõem à escolha dos novos prefeitos e vereadores

Flávia Ayer
No país dos escândalos, os olhos dos brasileiros estão voltados para a capital federal, de onde, a cada dia, surge um novo capítulo do teatro do absurdo em que a política se transformou.
Só que, entre o processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT); turbulências do governo do presidente em exercício Michel Temer (PMDB); vazamentos da Operação Lava-Jato e processo de cassação do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), têm eleições no meio do caminho. A pouco mais de três meses para elas acontecerem, pouca gente tem prestado atenção nisso.


Políticos e cientistas políticos são unânimes em dizer que as repercussões do cenário nacional no pleito de outubro são inevitáveis, entre elas o provável aumento do número dos votos brancos, nulos e abstenções. Ao quadro de desgaste dos políticos somam-se as mudanças promovidas pela minirreforma eleitoral sancionada no ano passado por Dilma. As alterações levaram à redução da campanha eleitoral a 45 dias, além da diminuição dos gastos e do tempo da propaganda de rádio e televisão.

Enquanto a hora de escolher prefeitos e vereadores não chega, o tema tem ficado à margem do interesse da população. É o que mostra levantamento feito pelo Estado de Minas por meio do Google Trends, ferramenta que informa os termos mais procurados no buscador. Na prática, internautas estão atrás de muito mais conteúdos relacionados ao processo de impeachment, por exemplo, do que a respeito do pleito.

Numa escala de 0 a 100, a busca pelo termo “eleições municipais”, que alcançou 4 pontos em outubro de 2012, data do último pleito, é igual a 0 desde outubro de 2014. Já a procura pelo termo “impeachment” vem crescendo desde outubro de 2014, alcançando picos de 12, em fevereiro do ano passado, 16, em dezembro, até chegar a 100, em abril deste ano, quando foi votada a admissibilidade do afastamento de Dilma pela Câmara.

“Não existe clima de eleição”, afirma o cientista político Carlos Ranulfo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A tendência, segundo ele, é de que a população demore a sentir esse clima no ar. Por causa da minirreforma eleitoral, a campanha vai começar em 16 de agosto, apenas 45 dias antes de 2 de outubro, quando brasileiros vão às urnas. O tempo caiu pela metade em relação às eleições anteriores.

Ranulfo chama atenção para o quadro de desgaste do sistema político, o que pode abrir espaço para discursos sobre uma “nova política”. “O eleitor vai buscar uma coisa nova. Mas política não se faz da noite para o dia. Mesmo os grandes partidos vão querer pegar carona nesse desgaste”, diz. O especialista não cultiva otimismo quanto às consequências desse processo. “Isso pode levar a um resultado muito pior. Junto ao desgaste do momento, o eleitor tende a ir para a urna menos informado do que o normal”, diz Ranulfo, em referência à campanha mais curta.

DECEPÇÃO E APATIA
Para a especialista em comportamento eleitoral, a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), embora a discussão das eleições seja nos municípios, a conjuntura nacional será determinante para o posicionamento dos brasileiros em outubro. “O eleitor nunca teve um conhecimento tão grande sobre como acontece a corrupção. Há uma decepção com a classe política”, afirma.

Ela também aponta para uma tendência de aumento dos votos nulos e brancos. “Isso pode ser tanto por uma apatia, já que um número grande e eleitores vem se decepcionando paulatinamente, quanto por protesto”, reforça. Já Ranulfo aposta também no aumento das abstenções, aqueles eleitores que sequer comparecem às urnas.
Em 2014, últimas eleições municipais, 19,4% do eleitorado se absteve, recorde desde 1998, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Brancos também cresceram, chegando a 3,8%. Já os nulos somaram 5,8%.

Maria do Socorro também destaca uma tendência de renovação nos quadros das câmaras municipais. Com a experiência de quem tem seis mandatos na biografia, o vereador de Belo Horizonte Ronaldo Gontijo (PPS), que não vai disputar as eleições deste ano, mas também aposta numa renovação recorde – em 2012, ela girou em torno dos 40% da casa legislativa da capital. “Quem está no meio político está mais desgastado do que os de fora”, afirma.

O parlamentar, que acumula o cargo de presidente municipal do seu partido, acredita que o momento nacional vai exigir mais dos candidatos. “Quanto mais isentos estiverem o partido político e o candidato, mais chance de levar sua mensagem à população. Não adianta chegar só com um discurso”, diz Gontijo, aflito com a indefinição do cenário municipal. “Nenhuma corrente política está definida”, diz.

Para pré-candidatos, cobrança será maior

Pré-candidatos à prefeitura de Belo Horizonte acreditam que serão mais cobrados pelos eleitores no próximo pleito de outubro. Eles atribuem o maior rigor e desconfiança dos cidadãos na escolha do prefeito e vereadores à conjuntura política nacional, em especial às denúncias de corrupção que vieram à tona na Operação Lava-Jato. Assim como estudiosos sobre o tema, eles apostam num aumento de votos brancos, nulos e abstenções.
A maior dificuldade de conquistar votos se alia ao desafio de fazer uma campanha mais enxuta e barata, imposta pelas mudanças na legislação eleitoral.

Um dos nomes cotados pelo PT para a candidatura à Prefeitura de Belo Horizonte, o ex-vice prefeito Roberto Carvalho afirma que o debate nacional tornou o eleitor mais politizado. “Infelizmente, o desalento do povo com a é política muito grande. Só com a política séria podemos motivar as pessoas”, afirma. Ele considera que as eleições não serão piores para o partido, um dos alvos das investigações, do que para as demais legendas. “Vai ser difícil para o PT e para todos os outros. Não tem nenhum partido que escapa a esse sistema inaceitável”, diz.

Atual vice-prefeito, Délio Malheiros (PSD), pré-candidato à Chefe do Executivo, afirma que a reação aos escândalos de corrupção vai refletir nas urnas. “Aquele político tradicional vai estar preocupado. O eleitor vai se identificar com candidatos ficha limpa com postura de bia gestão e que não façam promessas mirabolantes. Assuntos nacionais estarão na pauta e eleitores escolherão candidatos mais responsáveis com as finanças públicas e a responsabilidade fiscal”, diz Malheiros, lembrando das pedaladas fiscais, manobras para melhorar as contas públicas que embasam o pedido de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT).

É essa também a opinião do deputado estadual João Leite (PSDB), pré-candidato tucano à Prefeitura de BH. “Vamos ser cobrados por uma vida política coerente. Sentimos uma indignação das pessoas, elas estarão atentas. Os partidos e candidatos terão que demonstrar sua transparência e honestidade”, diz. Ele concorda que o processo de impeachment tem roubado a cena no debate público. “Tudo isso toma atenção e espaço das eleições municipais”, diz.

 

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