Coluna Luiz Carlos Azedo

- Foto: Arte/Soraia Piva

Delação à vera

O empresário norte-americano Percival Farquhar (1864-1953) foi uma das figuras mais controvertidas da história econômica do Brasil. Natural da Pensilvânia, formou-se em engenharia na Universidade de Yale e tornou-se um magnata dos transportes, da energia e da mineração no começo do século passado. Seu império incluiu os bondes em Nova York, a Companhia de Eletricidade de Cuba, ferrovias na Guatemala e minas na Europa Central. Na Rússia, negociou seus investimentos nesses setores pessoalmente com Lênin, para quem “o socialismo era a eletrificação”. Entre 1905 e 1918, foi o maior investidor privado do Brasil.

Seus interesses por aqui surgiram após a anexação do Acre, por causa da borracha. Construiu o porto de Belém e a famosa estrada Madeira-Mamoré. No ramo ferroviário, adquiriu o controle e concluiu as ferrovias São Paulo-Rio Grande, Sorocabana e Vitória-Minas. Explorou as jazidas de ferro de Itabira (MG) e implantou uma siderúrgica em Santa Cruz (ES), negócios que deram origem à Companhia Vale do Rio Doce.

Amante dos bons restaurantes e hotéis, construiu em São Paulo a Rotisserie Sportsman, para o qual contratou o chef Henri Galon, do famoso Elisée Palace Hotel de Paris. Na mesma época, deu início à construção do balneário de Guarujá, onde comprou e reformou o Grande Hotel de La Plage.

Farquhar rivalizou em ambição e audácia com o conde Francisco Matarazzo e com Irineu Evangelista de Sousa, o visconde de Mauá. Foi à falência duas vezes, na I Guerra Mundial (1014-1918) e na Grande Recessão de 1929. Quem lhe deu o golpe misericórdia foi o presidente Getúlio Vargas, durante o Estado Novo (1937-1945), ao estatizar suas propriedades. Sua história nos remete ao empresário falido Eike Batista, cujo império desmoronou, mas não é dele que estamos falando. Nosso personagem é outro candidato à ruína espetacular: o empresário Marcelo Odebrecht, o ex-presidente da maior empreiteira do país, que negocia sua delação premiada e promete entregar todos os políticos que receberam dinheiro da sua companhia, na tentativa desesperada de salvar os negócios da família no Brasil, na África e na América Latina.

Ontem, Camilo Gornarti, responsável pela informática utilizada pelo “setor de propina” da Odebrecht, afirmou à Justiça Federal que o servidor do sistema ficava na Suíça “por questões de segurança”. A existência do mesmo havia sido revelado por Maria Lúcia Tavares, que era responsável dentro do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht por gerenciar requerimentos de propina e repassá-los aos entregadores, que por sua vez fariam chegar os recursos aos destinatários finais. As comunicações eram feitas através de um sistema de intranet chamado Drousys. Marcelo Odebrecht resolveu “profissionalizar”, “modernizar” e “globalizar” o esquema da propina.

Cervejaria

Gornarti é testemunha de acusação contra o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht e o publicitário João Santana, que teria recebido dinheiro de caixa dois no exterior, em pagamento da campanha de Dilma Rousseff, com base em acerto feito entre a presidente afastada e o empresário preso em Curitiba. Segundo ele, o sistema funcionou entre os anos de 2008 e 2014. Quando foi bloqueado pelo Ministério Público Federal, um novo sistema foi criado na Suíça e esteve em operação até dois meses atrás. Em sua defesa, Santana alegou que os recursos obtidos no exterior tinham origem nas campanhas eleitorais que fez em vários países, como Angola, Argentina, Equador e República Dominicana. Outras delações e informações obtidas nas investigações revelam a existência de muitas conexões entre a Odebrecht e as campanhas de candidatos aliados do PT nos países onde a empresa tem obras financiadas pelo BNDES.

Outro delator, Vinícius Veiga Borin, revelou a existência de um banco para operar o esquema da propina.
Para fazer as operações financeiras no exterior, um grupo de funcionários da Odebrecht teve a ideia de comprar 51% do Meinl Bank Antigua, um banco austríaco que tinha uma filial sem atividade em Antígua. Foram acertados pagamentos de US$ 3 milhões e mais quatro parcelas anuais de US$ 246 mil para a compra de 51% do Meinl Bank Antiqua. Essa sociedade foi dividida em três partes: uma para Borin e seus sócios, uma para os funcionários da Odebrecht e uma terceira para um Vanuê Farias, que teve US$ 50 milhões bloqueados, e vendeu sua participação para os outros dois grupos, que ainda compraram mais ações do Meinl Bank Antiqua e chegaram a 67% da sociedade. Vanuê é sobrinho de Walter Farias, dono da cervejaria Itaipava (Grupo Petrópolis) e amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

 

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