Brasília – Além dos problemas com má gestão dos recursos e receitas em queda, os estados enfrentam nos últimos tempos mais uma dificuldade para manobrar seus orçamentos: a interferência direta da Justiça. Com o sequestro cada vez mais comum de recursos “carimbados” para o pagamento de despesas como salários de servidores, alguns governadores têm infringido a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O caso mais emblemático dessas “pedaladas legais” é do Rio de Janeiro. A Justiça mandou bloquear, em abril, R$ 649 milhões de quatro contas bancárias do estado para pagar a aposentadoria de março de 137 mil servidores. Uma gerente do Banco do Brasil foi presa por não cumprir a decisão. O BB recorreu à Justiça, com o argumento de que o estado não poderia usar os recursos do empréstimo destinado a programas sociais e obras para pagar empregados, uma despesa corrente.
Em nota, a Secretaria de Fazenda do Rio afirmou que os arrestos, somente em abril, ultrapassaram R$ 760 milhões, o que comprometeu o pagamento para organismos internacionais, como a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A previsão é que o Rio registre rombo de R$ 7,3 bilhões este ano.
“O mesmo Judiciário que nos obriga a pagar o salário dos servidores em dia, mesmo não tendo dinheiro para cumprir, é o que dá liminares ou então bloqueia nossos recursos, tirando do gestor a discricionariedade de atender a todos”, diz o secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes. “É a escolha de Sofia. O gestor fica cada vez mais amarrado, sem poder fazer uma distribuição razoavelmente equânime. Somos obrigados a dar menos para a maioria por conta de decisões judiciais obrigando a privilegiar alguns”, diz Feltes.
Crítica Estado em situação mais crítica, depois do Rio de Janeiro, que deu calote na dívida externa, o Rio Grande do Sul deve fechar as contas este ano com rombo estimado em R$ 4,4 bilhões. Os gestores estaduais temem comprar briga com juízes, mas já há quem defenda que, da mesma forma que se uniram para renegociar a dívida com a União, deveriam se mobilizar para abrir um canal mais franco para discutir o assunto.
“A Justiça precisa aprender que os recursos são carimbados. Na prática, essas decisões funcionam como uma espécie de DRU”, disse José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas. O especialista em finanças públicas faz referência à Desvinculação das Receitas da União (DRU) que permite ao Executivo gastar livremente uma parcela do orçamento. Segundo ele, a interferência do Judiciário pode ser considerada um terceiro estágio de pedaladas. O primeiro foi burlar as despesas com pessoal e o segundo, atrasar pagamentos de benefícios aos bancos.
Saúde Os estados também reclamam do que chamam de “judicialização da saúde”. Por determinação da Justiça, as administrações são obrigadas a bancar tratamentos e remédios em casos específicos de pacientes que entram na Justiça. O governo gaúcho diz que, por ano, só com ações judiciais que obrigam o pagamento de próteses, órteses e medicamentos, gasta R$ 160 milhões. Outra situação que limita a capacidade de gestão sobre os recursos da saúde são liminares que obrigam o repasse para alguns municípios e hospitais em detrimento de outros. A cota mensal de repasse para a saúde é de R$ 180 milhões, dos quais R$ 42 milhões são destinados por ordem judicial a apenas alguns.
Voracidade
Se por um lado os governadores se queixam que as ações judiciais são um ingrediente adicional que dificulta a administração do caixa, eles usam o mesmo caminho para referendar saques de R$ 17 bilhões de depósitos judiciais. Até mesmo em ações de terceiros, que não têm o estado como uma das partes. De acordo com os números do Banco Central (BC), o estoque de depósitos judiciais beira R$ 184 bilhões. A instituição tenta impedir, por meio do Supremo Tribunal Federal (STF), que governos estaduais se apropriem dos recursos de ações das quais os Estados não fazem parte para pagar parcelas da dívida com a União, precatórios e aposentadorias de servidores. Para o BC, as leis estaduais que autorizam o uso desse dinheiro, mesmo com o respaldo de decisões judiciais, afrontam a Constituição e avançam sobre o patrimônio alheio.