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Estado de Minas

Justiça mineira tem mais de 40 milhões de processos em galpões

Patrimônio envolve obras inestimáveis, como o inventário de Dona Beja. Digitalização tem ajudado a reduzir gastos


postado em 27/06/2016 06:00 / atualizado em 27/06/2016 07:35

São coletados trimestralmente nas secretarias das varas de Belo Horizonte 7 mil maços, com 50 processos cada um. Justiça estadual gasta R$ 5,1 milhões por ano em aluguel de espaços para manter os documentos(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
São coletados trimestralmente nas secretarias das varas de Belo Horizonte 7 mil maços, com 50 processos cada um. Justiça estadual gasta R$ 5,1 milhões por ano em aluguel de espaços para manter os documentos (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

O processo judicial de inventário desvenda as minúcias do patrimônio acumulado por uma das mais expressivas lendas da história de Minas Gerais. Dona Beja, sepultada em 20 de dezembro de 1873, no cemitério da Igreja Matriz da então comarca de Bagagem (atualmente Estrela do Sul), envolta em vestimentas de Nossa Senhora do Carmo como especificou em seu testamento, amealhou ao longo da vida joias, objetos de prata, móveis, escravos, propriedades, animais, utensílios em geral, que, em seu conjunto, somavam oito contos de réis. A preciosidade histórica, que revela muito desta misteriosa mulher, foi retirada de uma entre dois milhões de caixas que guardam, em galpões espalhados por todo o estado, mais de 40 milhões de processos judiciais. É algo equivalente a 300 quilômetros lineares de pilhas de até um metro de papel.

Há de tudo. Muitos processos históricos. Segundo determinação do Conselho Nacional de Justiça, todos anteriores a 1924 devem ser preservados. Há peças de valor inestimável. As “Cartas de liberdade”, escrituras de compra e venda de escravos do século 19, cobranças e execuções da Fazenda Nacional e processos que se tornaram célebres pelas decisões injustas, como o Caso Irmãos Naves são exemplos daqueles pinçados, tratados e expostos no Museu da Memória do Judiciário, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Mas novas avalanches de processos chegam regularmente e se somam às toneladas já arquivadas pelos galpões espalhados no estado. Segundo Túlio Almeida Pereira Fernandes, coordenador do Arquivo da Comarca de Belo Horizonte, só na capital são coletados trimestralmente nas secretarias das varas sete mil maços, cada qual com 50 processos cada, ou seja, 350 mil processos. Nas seis varas da Fazenda Estadual, a coleta média de 1.100 maços é bimestral, para evitar carga excessiva sobre o prédio da Praça da Liberdade. Lá se vão mais cerca de 55 mil para os arquivos.

O volume de processos que chegam aos galpões, são também, em parte, resultado da judicialização em todas as esferas da vida do brasileiro. Segundo os últimos dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) relativos ao ano base de 2014, foram naquele ano 28,88 milhões de novos processos em todo o país, 1,1% a mais do que em 2013. Destes, quase 2 milhões dizem respeito à justiça estadual de Minas.

DESPESAS Com a rapidez que os conflitos se transformam em processos, os galpões vão se entupindo quando as decisões transitadas em julgado encerram as pendências. E novos espaços têm de ser criados. Em Belo Horizonte, diante da impossibilidade de o Centro Operacional do TJMG receber novos processos, há quatro anos foi adquirido um novo galpão no Bairro Camargos. “Mas este novo galpão também já lotou. E foi necessário alugar dois novos galpões no Bairro Industrial, em Contagem, que abriga parte do acervo excedente de Belo Horizonte e também das outras comarcas de maior porte no estado”, explica Túlio Almeida Pereira Fernandes. Embora na capital mineira a maior parte dos galpões seja de propriedade da Justiça Estadual, os gastos só com aluguel para espaços de armazenamento dos processos judiciais somam, em todo estado, R$ 432 mil mês, R$ 5,184 milhões ao ano.

Nos galpões, empilham-se em andares e prateleiras incontáveis o relato sobre a história das disputas judiciais do Brasil colônia ao Brasil do século 21. Processos recentes se misturam à papelada histórica ainda não tratada: alguns processos, como o mais antigo sob a guarda do Centro Operacional do TJMG, a execução pela Fazenda Nacional em 1850 do cidadão Domingos Ferreira Lopes, se deterioram esquecidos em armários. Ao mesmo tempo, a eliminação dos processos sem interesse histórico é bem mais lenta e segue as normas definidas pelo CNJ. Em 2015, a meta para o descarte de um milhão em Minas foi superada: 1.014.772 foram triturados pela coleta seletiva da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis de Belo Horizonte (Asmare). Nos seis primeiros meses deste ano, 338 mil tiveram igual destino.


Esforço de modernização

Por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), documentação anterior a 1924 deve ser arquivada(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), documentação anterior a 1924 deve ser arquivada (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
O ritmo lento de eliminação de processos judiciais em contraposição ao rápido volume das novas demandas judiciais deixa em aberto o problema do arquivamento e guarda dos casos transitados em julgado. Para o médio prazo, o processo judicial eletrônico é a única saída para reduzir custos e investimentos em infraestrutura predial e de pessoal, segundo defende o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Pedro Bittencourt. Ele tem ainda a vantagem de eliminar o gasto desnecessário com papel e de facilitar o trabalho do advogado, que passa a apresentar do próprio escritório as petições em meio digital, anexando os documentos digitalizados.

“A implantação do processo eletrônico em 29 comarcas de entrância especial em Minas Gerais já representa, 50% de todas as ações cíveis propostas no estado”, sustenta Bittencourt. Desde a sua implantação, em julho de 2014, foram 440.853 ações por meio eletrônico. Só entre janeiro e junho deste ano, nessas 29 comarcas que concentram o maior volume do estado, foram distribuídos em meio eletrônico 176.428 processos de competência cível. Segundo Bittencourt, nas 267 comarcas de primeira e segunda entrância que ainda usam o processo de papel foram distribuídos, no mesmo período, 179.968 processos.

Embora o TJMG seja, no país, aquele que tem hoje o maior número de processos eletrônicos na Justiça comum, esta é ainda uma longa caminhada. A partir do próximo setembro, o cronograma de implantação vai abranger mais 10 comarcas de segunda entrância de maior volume processual. Depois destas, outras 78 comarcas serão alcançadas pela mudança do papel para o meio digital. A estimativa de Bittencourt é de que até o fim de 2017, 85% das novas ações cíveis propostas sejam em meio eletrônico.

Pelo momento, contudo, os primeiros passos para o processo judicial eletrônico no estado estão longe de dar solução aos galpões abarrotados de arquivos. É que a maior parte do volume de ações eletrônicas ainda está longe do trânsito em julgado. Por isso, ainda não estão em fase de arquivamento.

Mito e história

Dona Beja: testamento preservado(foto: Reprodução/Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Dona Beja: testamento preservado (foto: Reprodução/Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Dona Anna Jacintha de São José, conhecida como Dona Beja (foto), é representada na história popular como uma cortesã de excepcional beleza, nascida na freguesia de Formiga em 1800, mas que viveu em Araxá – onde a sua antiga residência abriga hoje o Museu Dona Beja. Terminou os dias em Estrela do Sul, cidade originalmente chamada de Bagagem, onde fez o seu testamento e foi aberto em 1874 o processo judicial de seu inventário. É bastante precária a documentação histórica disponível sobre essa personagem que inspirou, por meio do imaginário popular, o mito.

Conta a história que em princípio do século 19 chegaram a São Domingos de Araxá, procedentes de Formiga, Anna Jacintha e a sua mãe, que era solteira, Maria Bernarda. Recebeu o apelido de “Beja” por um namorado, em referência à sua beleza, comparada ao “beijo”, flor silvestre comum na região ou ao pássaro “beija-flor”. Entre 14 e 15 anos, Beja foi sequestrada pelo ouvidor Joaquim Ignácio Silveira da Mota, que chegara a Araxá proveniente da Vila Boa Capital, província de Goiás. Tomado de paixão pela adolescente, o ouvidor, que era casado, fugiu com ela e instalou-a, como amante, em luxuoso palacete em Paracatu do Príncipe. Educou-a como uma dama segundo os costumes da Corte, cobrindo-a de joias, sedas e luxos. Teria sido por influência de Beja que o ouvidor, perseguido pelo governo de Goiás, usou sua influência política na Corte para reintegrar o atual Triângulo Mineiro aos seus antigos limites sob a jurisdição de Minas.


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