Brasília – Menos de 12 horas depois de o Senado decidir levar a julgamento final a presidente Dilma Rousseff no processo do impeachment, os autores da denúncia entregaram ontem o chamado libelo de acusação, documento que contém os argumentos que sustentam a queixa. Do momento em que foi protocolado, ontem no início da tarde, passou a contar o prazo previsto em lei de 48 horas para a defesa apresentar suas alegações, que terminará na sexta-feira. A partir de então, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, terá ao menos 10 dias para marcar a sessão do julgamento final, que deve ocorrer em 25 de agosto, após a Olimpíada.
No libelo, além de reiterar os mesmos argumentos apontados na denúncia, os acusadores arrolaram três das seis testemunhas possíveis para falar no dia do julgamento, que se assemelha a um Tribunal do Júri. O advogado João Berchmans, que entregou o documento no Senado, disse que não havia necessidade de usar as 48 horas para a entrega da peça. “Para quê procrastinar a solução de uma controvérsia que a todos incomoda e causa um desconforto político, econômico?”, afirmou o advogado.
Foram chamados a falar pelos denunciantes o representante do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), Julio Marcelo de Oliveira; e os auditores do TCU Leonardo Rodrigues e Antonio Carlos Costa d'Ávila Carvalho. Dilma é acusada de ter praticado crime de responsabilidade por editar decretos orçamentários sem autorização do Congresso e de atrasar pagamento de subsídios para agricultores atendidos pelo Plano Safra no Banco do Brasil, as “pedaladas fiscais”. A peça que acusa Dilma é assinada pelos juristas Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo e a advogada Janaína Paschoal.
O relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), para que Dilma fosse tornada ré, foi aprovado na madrugada de ontem por 59 votos favoráveis e 21 contrários, placar pior do que o resultado pela admissibilidade do pedido, em maio, que ficou em 55 a 22. Para afastar definitivamente a presidente, são necessários 54 votos – o equivalente a dois terços do total de senadores. A expectativa é de que o julgamento dure cerca de cinco dias e comece em duas semanas. “No mais tardar, no dia 25. Está mais do que razoável que se comece no máximo no dia 25”, disse Berchmans.
Enquanto a defesa não entrega as alegações finais, deputados do PT protocolaram denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Eles apontam nulidades no processo de impeaqchment. O advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, pode também pedir a nulidade do processo no STF.
DENTRO DO ESPERADO
O presidente em exercício, Michel Temer, assistiu em seu gabinete, no Palácio do Planalto, à sessão do Senado que decidiu, na madrugada, tornar ré a presidente afastada Dilma Rousseff. “Correu tudo conforme o esperado”, disse Temer, no terceiro andar do Planalto, com seu habitual tom comedido. Ao seu lado, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, lembrou que, mais uma vez, suas estimativas chegaram bem perto do resultado da votação. Padilha previu de 58 a 60 votos a favor do parecer do relator. Diante do avanço do processo de impeachment, Temer manterá a programação da viagem para a China. Ele pretende participar da cúpula do G-20, nos dias 4 e 5 de setembro, em Hangzhou.
'Golpe' fora da carta
Em mais uma reunião ontem com aliados, para concluir a carta ao povo brasileiro, a presidente afastada Dilma Rousseff aceitou retirar a palavra “golpe” do texto para não melindrar senadores e dificultar ainda mais a remotíssima chance de vitória na votação final do impeachment. Pessoalmente, Dilma queria manter os ataques na redação final, mas foi orientada por senadores, durante almoço no Palácio da Alvorada ontem, a restringir-se à análise do atual momento e aos riscos que ele representa para a democracia brasileira.
“Será tudo no condicional. Se essa votação terminar assim, essa situação resultará em riscos para a estabilidade do país”, confirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Dilma manteve, no entanto, o desejo de colocar em sua carta – que terá um tom mais autoral de quem está sendo protagonista do episódio – a proposta de convocação de um plebiscito para que a população decida se haverá ou não novas eleições presidenciais.
Essa ideia encontra forte resistência da cúpula do PT e nos movimentos sociais. “Nós dissemos a ela que não perderia o apoio do partido nem dos movimentos se insistisse na tese das novas eleições”, declarou o senador Humberto Costa (PT-PE). Na prática, contudo, os adversários da proposta não vão às ruas defendê-la a partir de agora. No máximo, evitarão fazer críticas públicas para não constranger ainda mais a presidente afastada.
Ainda não há consenso de quando a carta será divulgada. Poderá ser entre hoje e terça-feira, dependendo da necessidade de novas conversas para afinar o texto. Quanto à votação na madrugada de ontem que transformou Dilma em ré, Costa disse que estava dentro do esperado. “Não queríamos ter uma votação menor do que a primeira (os petistas tiveram 21 votos contra 22 no primeiro pleito). “Tivemos 21 no texto principal e 22 em alguns dos destaques. Combinamos que não iríamos, nessa fase, expor quem está disposto a votar conosco na votação final”, explicou a senadora Gleisi Hoffmann.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também está na cidade. Na segunda, ele se reuniu com Dilma no Palácio da Alvorada e, ontem, encontrou-se com deputados e senadores petistas em um hotel da cidade. Lula quer pensar no pós-impeachment, já que, nas conversas de ontem, poucos acreditam na reversão do quadro atual.
Áudios de Lula
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) recomendando a cassação da liminar do presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, e determinando ainda que as gravações de telefonemas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva permanecessem na 13ª Vara Federal de Curitiba, sob responsabilidade do juiz Sérgio Moro. Na decisão, Lewandowski afirmou que os áudios de conversas entre Lula e autoridades com direito a foro especial deveriam ficar separadas das demais e em sigilo, até o relator da Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki, decidir o destino do material. No parecer, Janot disse que Moro não usurpou a competência do STF. Em representação encaminhada ao Supremo, a defesa argumentou que Moro usurpou a competência do STF quando decidiu retirar o sigilo das gravações, em junho.
Enquanto isso...
...ministra no comando do STF
A ministra Cármen Lúcia será a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) pelos próximos dois anos, em substituição a Ricardo Lewandowski, que deixa o cargo em 10 de setembro. O plenário elegeu também o ministro Dias Toffoli para vice-presidente da Corte no próximo biênio. A posse dos dois está marcada para 12 de setembro. A eleição foi rápida e protocolar, já que a Corte tem a tradição de escolher o ministro com mais tempo de casa que ainda não presidiu o tribunal. Mineira, a ministra foi indicada a uma vaga na Corte em 2006 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi advogada e procuradora do Estado de Minas Gerais. Cármen Lúcia será a segunda presidente mulher do STF. A primeira foi a ministra Ellen Gracie, também a primeira mulher a integrar o tribunal.
Os próximos passos
Depois da Olimpíada do Rio, que termina no dia 21, processo contra Dilma vai avançar no Congresso
» 25 ou 26 de agosto
São as duas datas ainda indefinidas que podem dar início do processo de votação final em plenário sobre o afastamento definitivo de Dilma Rousseff. O julgamento da presidente afastada só poderá ser realizado daqui, no mínimo, 10 dias, a contar a partir da próxima segunda-feira, dia 15. Decisão cabe ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.
» Entre 29 e 30 de agosto
O término do processo no plenário do Senado deve ocorrer até dia 30, segundo o Palácio e o Senado, embora no STF a previsão é de que o julgamento dure ao menos uma semana. E Lewandowski já avisou que não vai convocar os parlamentares no fim de semana, hipótese levantada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
» 2 de setembro
É quando o presidente em exercício, Michel Temer, embarca para a China para representar o país no G-20, que ocorre entre 4 e 5 de setembro. Ele deseja ir ao evento confirmado no cargo.