A uma semana do seu julgamento pelo Senado, marcado para começar na quinta-feira da semana que vem, a presidente afastada Dilma Rousseff (PT) divulgou uma carta de quatro páginas em que defende a realização de um plebiscito sobre antecipação da eleição presidencial de 2018 e diz que é inocente e não pode ser condenada pelo “conjunto da obra”.
“Quem afasta o presidente pelo 'conjunto da obra' é o povo e, só o povo, nas eleições”, afirma. Na carta batizada de “Mensagem ao Senado Federal e ao povo brasileiro”, a petista informa que vai lutar com todos os instrumentos legais para defender o seu mandato. Em seu último apelo feito aos 81 parlamentares que vão decidir sobre o impeachment, ela negou mais uma vez que tenha cometido crime de responsabilidade. Segundo ela, seu retorno à presidência significará a afirmação do estado democrático de direito. “Entendo que a solução para a crise política e econômica que enfrentamos passa pelo voto popular, pelas eleições diretas. Por isso, a importância de assumirmos um claro compromisso com o plebiscito e pela reforma política”, afirmou do Palácio da Alvorada.
Dilma convocou a imprensa e leu em vídeo transmitido ao vivo do seu perfil no Facebook a mensagem. “Não é legítimo, como querem meus acusadores, afastar o presidente pelo conjunto da obra. Quem afasta presidente por conjunto da obra é o povo”, afirmou. Dilma afirmou que a carta dirigida à população e aos senadores expressava o seu compromisso com a democracia e que seu retorno à Presidência significará a afirmação do Estado democrático de direito. “A democracia é o único caminho para sairmos da crise", disse.
Muitas vezes criticada até por aliados pela dificuldade em reconhecer erros, Dilma afirmou que na sua “jornada” para se defender do impeachment ouviu "duras críticas" ao governo, "a erros que foram cometidos e medidas políticas que não foram adotadas". "Acolho essas críticas com humildade para que possamos construir um novo caminho", disse. A presidente afastada afirmou ainda esperar que o Senado encerre o processo de impeachment "reconhecendo diante das provas irrefutáveis que não houve crime". "Sou inocente", afirmou.
Dilma defendeu a Lava-Jato e o combate à corrupção e repetiu que seu impeachment é um golpe. “O colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores seria substituído, sem a devida sustentação constitucional, por um colégio eleitoral de 81 senadores. Seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta”, definiu.
RUPTURA
A presidente afastada deu um recado aos senadores que julgarão seu processo. “O momento não tolera omissões, enganos ou falta de compromisso com o país. Não devemos permitir que uma eventual ruptura da ordem democrática, baseada em impeachment sem crime de responsabilidade, fragilize nossa democracia com o sacrifício dos direitos assegurados Constituição de 1988. Unamos nossas forças e propósitos na defesa da democracia, o lado certo da história”, afirmou. Dilma aproveitou para alfinetar seu algoz, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que iniciou o processo de impeachment. A petista disse não ter conta no exterior, como o peemedebista, que acabou perdendo o cargo por ser investigado na Lava-Jato por suas contas não declaradas.
A presidente afastada disse ainda ter orgulho de ter sido eleita e reeleita primeira mulher presidente. Afirmou ter honrado cada dia do seu mandato. Dilma está afastada do Palácio do Planalto há 97 dias, quando o Senado autorizou a abertura do impeachment. Na madrugada do último dia 10, os senadores decidiram torná-la ré no processo. Ela é acusada de crime de responsabilidade pelo atraso em repasses do Tesouro Nacional para o Banco do Brasil custear empréstimos subsidiados no Plano Safra, uma das chamadas "pedaladas fiscais". A presidente afastada também responde pela assinatura de três decretos de suplementação orçamentária que autorizaram despesas em desacordo com a meta fiscal vigente.
DIVERGÊNCIAS
O tom da mensagem foi alvo de divergências, principalmente entre Dilma e a cúpula petista. O presidente do PT, Rui Falcão, chegou a chamar de "inviável" a proposta de plebiscito. A declaração provocou contrariedade no Palácio da Alvorada e escancarou o racha entre o comando do partido e a presidente afastada. Outro ponto de divergência foi a decisão dela de deixar de lado o conselho de aliados e se referir ao impeachment como "golpe". A petista quer deixar o documento como um registro histórico de sua resistência e causar constrangimento ao presidente em exercício, Michel Temer.
PAPEL CONSTITUCIONAL
Minutos após a divulgação da carta da presidente afastada, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que a Casa – no momento de conflagração nacional – vai cumprir o seu papel constitucional. Mais cedo, antes de se reunir com Temer, Renan disse ser contra a realização de um plebiscito para defender novas eleições. “Na democracia, a melhor saída sempre é a saída constitucional e plebiscito e novas eleições não estão previstos na Constituição. Então isso não é bom", afirmou Renan.
Em passagem por Recife para uma palestra na segunda-feira, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, repetiu que não há na Constituição previsão de novas eleições e afirmou que “isto é umm pouco brincadeira de criança”. Segundo ele, a questão do plebiscito teria que passar por uma emenda e teria que ter sua constitucionalidade verificada pelo próprio STF. “Na realidade, isso parece muito mais um embate político. Em relação ao presidente Collor ocorreu um impeachment e Itamar Franco assumiu o mandato até o fim. Isso tem acontecido. Naquela época não ocorreu a ninguém fazer um plebiscito, referendo ou novas eleições”, afirmou. (Com agências)