Jornal Estado de Minas

PT fecha ciclo de 13 anos no poder com mácula na bandeira ética


Brasília – Com a conclusão efetiva do processo de impeachment – a previsão é de que a votação aconteça até 30 de agosto e os votos necessários para o afastamento definitivo de Dilma Rousseff já estão mais do que assegurados – chega ao fim um ciclo de 13 anos e meio do PT na administração federal. O maior partido de esquerda da América Latina e o primeiro a chegar ao poder no Brasil, que sempre se orgulhou de ter incluído 50 milhões de pessoas, deixa também como herança 12 milhões de desempregados, uma recessão que já dura três anos e uma mácula difícil de ser superada naquilo que ostentava como maior orgulho antes da experiência no Planalto: a bandeira da ética.


“Em muitos momentos, o PT soube dar a vara às pessoas, mas jamais ensinou-as, de fato, a pescar”, resumiu o cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Rui Tavares Maluf. É um raciocínio semelhante ao elaborado por um dos petistas mais históricos e desiludidos com os rumos da legenda, Frei Betto. “Foram governos que fizeram a inclusão econômica na base do consumismo e não política e socialmente”, tem repetido o teólogo.

Maluf lembra que o Bolsa-Família, um aprimoramento dos programas sociais desenvolvidos em administrações anteriores, como o Bolsa-Escola, acabou passando por problemas no cadastro. “Investigações mostraram que algumas pessoas que não teriam direito ao benefício acabavam continuando a recebê-lo”, diz o cientista. Analistas de mercado, contudo, reconhecem que a criação desta rede de proteção social talvez seja o principal legado, especialmente porque não se criou algo extremamente oneroso do ponto de vista fiscal: o Bolsa-Família tem impacto mínimo no orçamento federal.

Para além do ponto de vista ético, contudo, onde o PT mais errou a mão, na avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem, foi na área econômica. “Destes 13 anos, os únicos acertos neste campo aconteceram ao longo do primeiro mandato de Lula (2003-2006). No segundo mandato, a situação começou a se deteriorar”, afirmou o professor de história política contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) Antônio José Barbosa.

Para investidores experientes, o primeiro mandato lulista tinha a Carta ao Povo Brasileiro como égide e a prudência de Antônio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central.
Mas Palocci acabou caindo, abatido por escândalos e, ao longo do segundo mandado, Lula pisou no acelerador dos gastos públicos, especialmente para eleger como sucessora Dilma Rousseff. “Com a entrada do BNDES no financiamento, expandiu-se demais o papel do estado na gestão macroeconômica, o que foi desastroso”, afirmou Rui Tavares Maluf.

No primeiro mandato de Dilma, os elogios restringem-se a 2011, quando ela tentou segurar os gastos e impor uma faxina ética. A partir de 2012, contudo, foi criada a nova matriz econômica. “O trio Dilma, Guido Mantega (Fazenda) e Arno Augustin (Secretaria do Tesouro Nacional) fez estragos que culminaram nas pedaladas fiscais e na atual recessão”, declarou um investidor.

O professor da UnB também criticou o PT pelo enfraquecimento das instituições. “Se formos lembrar, ao longo do primero mandato, tivemos o escândalo do mensalão. Não se tratava apenas de uma questão de corrupção, mas uma tentativa de submissão do Parlamento ao Executivo. Além disso, houve um processo de aparelhamento muito grande nos diversos níveis de poder”, completou Antônio Barbosa.

Petistas desiludidos também lamentam que o partido não tenha conseguido aproveitar o apoio popular, sobretudo quando Lula foi eleito em 2002, para fazer as reformas estruturantes que o país precisa.
Preferiu navegar no boom das commodities e da liquidez internacional. “Em vez de enfrentar o sistema com a força que trazia das ruas, Lula resolveu aproveitar-se do que já havia. Nasceu o mensalão. Em 2006, ele resolveu dobrar a aposta e surgiu o Petrolão. Dilma foi eleita, tentou quebrar com tudo – mudou diretores da Petrobras, demitiu ministros – mas não teve força política e acabou sendo engolida”, completou um militante.

Incógnita para 2018
O futuro do PT é uma incógnita que nem os próprios petistas conseguem decifrar. Antes mesmo de qualquer desconfiança de riscos de um processo de impeachment, caciques importantes da legenda, como o ex-chefe da Casa Civil Jaques Wagner, sabiam que seria praticamente impossível o partido manter-se no poder após 16 anos no Planalto. Por isso, muitos pensavam em uma transição, que mantivesse a legenda viva, no corpo de aliados.

A primeira opção, que parecia evidente, era o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Mas ele não confiou no PT e decidiu lançar-se ao Planalto pelo PSB.
Acabou sendo vítima de um trágico desastre aéreo em plena campanha presidencial. Uma outra opção seria uma parceria com o próprio PMDB. “Eles estavam conosco na chapa presidencial desde 2010. Sempre tiveram projetos de poder, mas jamais tiveram mecanismos para chegar lá. Poderíamos ter proposto uma parceria para 2018”, disse um interlocutor petista.

Além disso não ter sido feito, a relação entre os dois partidos foi se envenenando aos poucos até que o vice-presidente Michel Temer começou a trabalhar abertamente pelo impeachment de Dilma. Com as recentes investigações da Lava-Jato, Lula tornou-se alvo preferencial, mas, ao mesmo tempo, tem demostrado vontade de disputar as eleições de 2018 como uma maneira de dar a volta por cima e resgatar a própria imagem e a do partido. Mas nem mesmo ele tem a certeza de como estarão as coisas daqui a pouco mais de dois anos, quando começará a corrida presidencial.

O fim de uma era

Principais fatos dos 13 anos de O PT no poder


2003
» Lula toma posse como presidente da República, eleito com 52,7 milhões de votos
» O PT lança o Fome Zero, embrião do Bolsa-Família

2005
» Estoura o escândalo do mensalão envolvendo o ministro da Casa Civil, José Dirceu, um dos principais nomes do partido

2007
» Lula é reeleito com 58,2 milhões de votos
» O presidente lança o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para tentar destravar os investimentos em infraestrutura

2008
» O mundo mergulha na maior crise econômica desde o crash de 1929. O governo petista inicia uma série de desonerações, como medidas anticíclicas que, a longo prazo, fragilizaram a economia

2010
» Dilma é eleita com 55,5 milhões de votos
» Presidente demite sete ministros na faxina ética. Depois, é obrigada a recuar em alguns casos

2012
» Dilma troca a diretoria da Petrobras
Governo dá início à nova matriz econômica

2014
» Sem admitir durante a campanha que o país já estava em recessão, Dilma é reeleita com 54,5 milhões de votos

2016
» Dilma é afastada da Presidência da República com a abertura do processo de impeachment

 

 

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