Jornal Estado de Minas

Brasília se divide entre rotina inalterada e tensão durante defesa de Dilma

A estudante Laís Braz nem sabia que Dilma estava ali no ponto turístico - Foto: Antonio Cunha/CB/D.A Press
São 16h da segunda-feira, mas poderia ser uma tarde de domingo no Conic, em Brasília. Uma turma de colegas aproveita o fim do expediente para tomar um litrão de chope em um dos bares no corredor do centro comercial. Em frente à lanchonete Replay, mais três ou quatro pessoas estão entregues ao ócio ou passando o tempo em redes sociais no celular. Dentro do estabelecimento, uma fileira de homens se aglomera para jogar videogame, maior atrativo do local. Sozinho, quem está sentado em uma das mesas é o aposentado Pedro Silva, 78 anos, o único cliente a acompanhar pela televisão o julgamento final do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT) no Senado Federal.

Ontem, dia em que a petista discursou a seu julgadores no Congresso Nacional, a vida seguiu tranquila nas ruas da capital federal, centro da política brasileira. Fora do plenário e da Esplanada, com exceção da interdição de vias, Brasília manteve sua rotina inalterada, dividida entre aqueles que pelo rádio ou tevê tomavam pé da situação do país e entre os que consideravam que a segunda-feira era apenas mais um dia. Porém, em meio ao cotidiano, seu Pedro lembra que se trata de momento histórico. “Temos que acompanhar.
É um dever cívico, porque somos brasileiros. Espero que o Brasil melhore com Dilma ou sem Dilma”, afirma o aposentado, que votou na petista e não se arrependeu.

De costas para a televisão, entre uma jogada e outra do game Mortal Combat, o auxiliar administrativo Fernando Santana, 23, comenta que, para ele, não faz mais sentido acompanhar o julgamento. “Sou contra o impeachment e sei que ela vai sair. Então acho besteira acompanhar”, reforça o rapaz. Ele chegou a ir a duas manifestações na época da votação do processo de afastamento pela Câmara dos Deputados e acredita que não há mais como reverter a aprovação do impeachment.

Ao lado do Conic, na rodoviária de Brasília, entre o vaivém de ônibus e passageiros, algumas pessoas assistem à televisão penduradas na pilastra. Ilusão pensar ser a transmissão da sessão de defesa de Dilma no Senado. As atenções estão todas voltadas para o filme “A fada do dente”, exibido ontem na Sessão da Tarde, da TV Globo.
“Não acompanho nada de política”, justificou o trabalhador do Ceasa Israel Agostinho, 32.


O tema, no entanto, é interesse do gesseiro Reinaldo Borges, 32. À espera do coletivo, ele não larga o celular, sintonizado na Rádio Senado. “Comecei a saber mais de política agora com o impeachment. Não é novela, é real o que estamos vivendo”, afirma o gesseiro, que não se convenceu com o discurso da presidente. “Achei muito decorado, sempre a mesma coisa, com respostas que não convencem”, critica.

Apenas cinco quilômetros separam a invasão CCBB, no Setor de Clubes, onde mora o catador de material reciclável Emílio Luiz da Silva, 64, e o Senado. Mesmo atento à política, no início da tarde, ele ainda não havia se inteirado sobre o julgamento de Dilma. “Saí às 6h para catar material. Às 10h, voltei pra casa.
Minha esposa está cega por causa da diabetes e tenho que acompanhar. Não deu para saber ainda”, na torcida pela permanência de Dilma.

Mais próxima ainda do centro nevrálgico da política estava a estudante de comunicação Laís Braz, 28, recém-chegada de um intercâmbio no Canadá. Com o braço esticado, ela tentava enquadrar na selfie seu rosto emoldurado pelo Congresso Nacional ao fundo. A imagem cruzou fronteiras e foi enviada para amigos que ela fez no exterior. Questionada se iria contar ao grupo sobre os acontecimentos dentro do Senado, Laís não escondeu a sinceridade. “Nem estava lembrando que a Dilma ia lá hoje, mas agora vou comentar com eles”, confessa.

Descrédito
No Objeto Encontrado, um dos cafés mais politizados de Brasília, na Asa Norte, a sessão de julgamento de Dilma não provocou mudanças na programação do estabelecimento. “Cheguei a pensar em pôr no rádio do café a transmissão do Senado”, contou um dos sócios, Lucas Silva Hamu, 27, que desistiu da ideia. “O último momento de engajamento foi na votação na Câmara. Depois disso, todo mundo que entende como golpe sofreu muito emocionalmente”, completou. Hamu chegou a acompanhar a sessão pela manhã, quando ainda estava fora do trabalho, e pretendia se unir aos manifestantes contrários ao impeachment na Esplanada à noite.

“Temos que acompanhar.
É um dever cívico, porque somos brasileiros. Espero que o Brasil melhore com Dilma ou sem Dilma”
Pedro Silva, aposentado

“Comecei a saber mais de política agora com o impeachment. Não é novela, é real o que estamos vivendo. Achei muito decorado sempre a mesma coisa, com respostas que não convencem”
Reinaldo Borges, gesseiro.