São 16h da segunda-feira, mas poderia ser uma tarde de domingo no Conic, em Brasília. Uma turma de colegas aproveita o fim do expediente para tomar um litrão de chope em um dos bares no corredor do centro comercial. Em frente à lanchonete Replay, mais três ou quatro pessoas estão entregues ao ócio ou passando o tempo em redes sociais no celular. Dentro do estabelecimento, uma fileira de homens se aglomera para jogar videogame, maior atrativo do local. Sozinho, quem está sentado em uma das mesas é o aposentado Pedro Silva, 78 anos, o único cliente a acompanhar pela televisão o julgamento final do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT) no Senado Federal.
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Vídeo: Assista, na íntegra, ao discurso de Dilma Rousseff no processo de impeachment Dilma cita golpe oito vezes no discurso contra o impeachment; veja nuvem de tagsDe costas para a televisão, entre uma jogada e outra do game Mortal Combat, o auxiliar administrativo Fernando Santana, 23, comenta que, para ele, não faz mais sentido acompanhar o julgamento. “Sou contra o impeachment e sei que ela vai sair. Então acho besteira acompanhar”, reforça o rapaz. Ele chegou a ir a duas manifestações na época da votação do processo de afastamento pela Câmara dos Deputados e acredita que não há mais como reverter a aprovação do impeachment.
Ao lado do Conic, na rodoviária de Brasília, entre o vaivém de ônibus e passageiros, algumas pessoas assistem à televisão penduradas na pilastra. Ilusão pensar ser a transmissão da sessão de defesa de Dilma no Senado. As atenções estão todas voltadas para o filme “A fada do dente”, exibido ontem na Sessão da Tarde, da TV Globo.
O tema, no entanto, é interesse do gesseiro Reinaldo Borges, 32. À espera do coletivo, ele não larga o celular, sintonizado na Rádio Senado. “Comecei a saber mais de política agora com o impeachment. Não é novela, é real o que estamos vivendo”, afirma o gesseiro, que não se convenceu com o discurso da presidente. “Achei muito decorado, sempre a mesma coisa, com respostas que não convencem”, critica.
Apenas cinco quilômetros separam a invasão CCBB, no Setor de Clubes, onde mora o catador de material reciclável Emílio Luiz da Silva, 64, e o Senado. Mesmo atento à política, no início da tarde, ele ainda não havia se inteirado sobre o julgamento de Dilma. “Saí às 6h para catar material. Às 10h, voltei pra casa.
Mais próxima ainda do centro nevrálgico da política estava a estudante de comunicação Laís Braz, 28, recém-chegada de um intercâmbio no Canadá. Com o braço esticado, ela tentava enquadrar na selfie seu rosto emoldurado pelo Congresso Nacional ao fundo. A imagem cruzou fronteiras e foi enviada para amigos que ela fez no exterior. Questionada se iria contar ao grupo sobre os acontecimentos dentro do Senado, Laís não escondeu a sinceridade. “Nem estava lembrando que a Dilma ia lá hoje, mas agora vou comentar com eles”, confessa.
Descrédito
No Objeto Encontrado, um dos cafés mais politizados de Brasília, na Asa Norte, a sessão de julgamento de Dilma não provocou mudanças na programação do estabelecimento. “Cheguei a pensar em pôr no rádio do café a transmissão do Senado”, contou um dos sócios, Lucas Silva Hamu, 27, que desistiu da ideia. “O último momento de engajamento foi na votação na Câmara. Depois disso, todo mundo que entende como golpe sofreu muito emocionalmente”, completou. Hamu chegou a acompanhar a sessão pela manhã, quando ainda estava fora do trabalho, e pretendia se unir aos manifestantes contrários ao impeachment na Esplanada à noite.
“Temos que acompanhar.
Pedro Silva, aposentado
“Comecei a saber mais de política agora com o impeachment. Não é novela, é real o que estamos vivendo. Achei muito decorado sempre a mesma coisa, com respostas que não convencem”
Reinaldo Borges, gesseiro.