Hangzhou (China) - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse nesse sábado que seria uma punição "desproporcional" suspender o direito de Dilma Rousseff de exercer função pública após a aprovação do impeachment. Segundo ele, a decisão de poupar a ex-presidente não criará precedente favorável ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nem para o ex-senador Delcídio do Amaral. "Era desproporcional afastar e punir", disse Renan em entrevista na China, onde acompanha o presidente Michel Temer, que participa da reunião do G-20. Delcídio recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a restauração do direito com base no impeachment de Dilma.
Renan negou que tenha havido articulação para dividir a votação. Segundo ele, o fatiamento foi discutido durante o afastamento do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Na época, o caso chegou ao STF, em um julgamento que terminou empatado. O presidente do Senado disse que será inevitável que o Supremo reveja os aspectos de procedimentos do processo que levou ao afastamento de Dilma do cargo e à manutenção do direito de exercer função pública. "Há uma judicialização da política", afirmou.
“Dilma já foi punida, afastada, mas não inabilitada. A lei é específica que trata do presidente. Não tem relação com caso de Cunha e Delcídio do Amaral. Se abrisse, teria dificuldade maior de fazer (o julgamento como aconteceu)”, alegou. Renan votou, no processo de impeachment, pela deposição de Dilma, mas defendeu a manutenção dos direitos políticos da ex-presidente. Ele ainda participou das articulações que antecederam a decisão de fatiar o julgamento. O parlamentar ainda chamou de "excrescência" a lei do impeachment, que foi redigida em 1950 e cujo texto original já teve uma série de itens revogados. Ela afirmou que o presidente do STF, Ricardo Lewandovski, não interferiu no resultado do impeachment, já que ele "não julga o mérito, mas a forma". O magistrado foi o responsável por acolher o pedido de fatiamento do processo, apresentado pela bancada do PT.
Temer
Efetivado no cargo há quatro dias, o presidente Michel Temer afirmou ontem na China que as manifestações contra seu governo são promovidas por “grupos mínimos” e têm caráter antidemocrático por supostamente envolverem depredações. “O tal do 'Fora, Temer', tudo bem. É um movimento democrático", declarou em entrevista na China. Perguntado se os protestos comprometiam o início de seu governo, Temer insistiu no que considera o caráter inexpressivo das manifestações. "As 40 pessoas que estão quebrando carro? Precisa perguntar para os 204 milhões de brasileiros e para os membros do Congresso Nacional que resolveram decretar o impeachment", disse em entrevista a jornalistas brasileiros. "O que preocupa, isto sim, é que se confunde o direito à manifestação com o direito à depredação."
Na sexta-feira, cerca de 400 pessoas participaram em São Paulo do quinto dia de protestos contra o governo Temer. A manifestação foi pacífica, mas terminou com oito prisões depois que um grupo de black blocs depredou pontos de ônibus e quebrou vidros de concessionárias de carros. O presidente disse ser "mais do que natural" que seu governo não tenha "apoio" neste momento, mas em seguida atribuiu o fato ao desconhecimento da população em relação aos ocupantes da Presidência e da vice-presidência. Temer também considerou previsível a realização de manifestações, considerando o momento "politicamente mais complicado" gerado pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Entrevista/Kenneth Maxwell - Historiador britânico
Um dos mais importantes brasilianistas da atualidade e autor do livro A devassa da devassa - A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808, Kenneth Maxwell é diretor do Programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockfeller para Estudos Latino-americanos, da Universidade de Harvard (EUA)
Como o impeachment da presidente Dilma Rousseff está sendo tratado pelo mundo? Como está a imagem do Brasil?
As opiniões estão divididas. A comunidade acadêmica e setores de esquerda em geral estão tristes. A comunidade financeira e banqueiros estão em êxtase. Um dos lados acredita há tempos que um golpe constitucional foi dado e que Dilma foi uma vítima inocente condenada no processo. Essa imagem é encorajada pelo fato de Dilma ser uma mulher que no passado foi uma militante ativa, foi presa e torturada pelo regime militar. Outros veem Dilma como uma presidente incompetente, que apesar de ser honesta, ainda assim presidiu o conselho da Petrobras e participou do governo do PT, onde a corrupção floresceu. Mais importante é o fato de que o impeachment retirou o partido que estava no poder há 13 anos. A partir de agora, será o período de Michel Temer. Ele é político de uma linha antiga, certamente sabe como funciona internamente o sistema político brasileiro. Isso pode ser uma vantagem. Mas ele não é tão conhecido ou benquisto pela própria população. O Brasil permaneceu em estado de paralisia por vários meses enquanto a saga do impeachment se desdobrava. Agora o processo terminou. A reputação de Temer dependerá de como ele se saíra politicamente ao administrar uma série de reformas econômicas complicadas e, provavelmente, bastante impopulares.
Como Michel Temer será recebido pelos principais líderes internacionais?
Temer é virtualmente desconhecido fora do Brasil. E sua experiência internacional é limitada. Ao contrário de Serra e Meirelles, que têm um extensivo contato no exterior e já trabalharam fora do país. Os dois serão peças-chaves na administração Temer. Eles representarão uma mudança na política econômica que era adotada durante as administrações petistas. A inserção de Temer em negócios internacionais será imediata. Ele participa do encontro do G-20, na China, e depois irá para Índia, para a reunião dos Brics. Não poderia ser um começo mais desafiador. Como ele vai lidar com esse desafio somente o futuro nos mostrará.
O que deve acontecer com o Partido dos Trabalhadores, que passa por momento conturbado?
O PT terá que ir lá atrás e buscar uma reconstrução a partir de suas raízes. Mas não será fácil ou rápido. Os escândalos de corrupção devem continuar se desdobrando. O ex-presidente Lula continua sendo o maior ativo do partido, mas ele ainda pode ser implicado. O futuro do partido dependerá da capacidade de mobilizar uma oposição nas ruas, com fortes ligações com movimentos sociais e sindicatos, contra as medidas econômicas do governo Temer.