Brasília – O ministro da Transparência, Torquato Jardim, está convencido que a proibição das doações de empresas para candidatos estimula o crime organizado a participar diretamente das eleições. “Eu sou contra qualquer proibição, o incentivo é agir conforme a lei. Quanto mais proibição, mais atração”, disse. Ex-ministro do TSE e professor de direito constitucional da Universidade de Brasília (UnB) por 20 anos, ele chegou ao cargo depois da queda do primeiro indicado pelo governo Michel Temer, envolvido com aconselhamentos a investigados na Operação Lava-Jato. Em meio a protestos de servidores por causa da troca de nome da CGU, Torquato assumiu a pasta no início de junho e, hoje, garante que o assunto está resolvido.
Os acordos de leniência de empresas envolvidas na Lava-Jato estão parados, como o da SBM, que confessou os crimes, entregou documentos, se dispôs a pagar milhões, mas o MP não homologa. Como é que o senhor avalia isso?
A lei cometeu um equívoco. Conferiu competência exclusiva à Corregedoria-Geral da União (CGU) — que era a grafia da época — para tratar desse assunto. A lei desconheceu o papel constitucional expresso do Tribunal de Contas de União (TCU), do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia-Geral da União (AGU). Se é dano ao patrimônio público, a AGU tem que atuar, no que for ressarcimento, no que for improbidade administrativa; o MPF tem que atuar na ação penal; e o artigo 71, inciso II, da Constituição, diz que o Tribunal de Contas tem que atuar. Então, o primeiro desafio que enfrentei foi diplomático. Fui ao TCU buscar uma convivência necessária. Propus que, do ângulo operacional, busquemos um convênio. Num convênio, o que ocorre? Um compartilha com o outro as suas competências, mas um garante ao outro a proteção legal e, eventualmente, constitucional do sigilo de informações, dos sigilos empresariais, fiscais e bancários. A gente compartilha informação e foi isso que passou a ser feito.
Quais desafios o senhor já encontrou em relação a este trabalho?
O maior desafio é dar consequência ao quanto é apurado. Por exemplo, nos últimos 13 anos, o nosso grupo de operações especiais, em parceria com a Polícia Federal e com o MPF, realizou 230 operações nos municípios onde ficou comprovado o desvio de verbas públicas federais. Sessenta e sete por cento das operações apuraram desvios em merenda escolar, medicamento e saneamento básico. Estamos destruindo a saúde de duas ou três gerações de crianças no Brasil. Qual é a consequência objetiva? O MP não tem gente para propor a ação. Não temos uma sociedade civil ativa para, por outros meios, processar esses mandatários municipais.
Com toda a experiência que o senhor tem em tribunais eleitorais, qual sua opinião sobre a nova regra que proíbe doação de empresas para campanha?
Proibir a pessoa jurídica, proibir a empresa é a melhor solução? O ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, já disse que não. Disse que é um salto no escuro. As notícias mostram que já são 20 e tantos mil doadores que o CPF coincide com o do Bolsa-Família. Quem recebe Bolsa-Família não pode ter dinheiro, em princípio, para fazer doação. Eu sou contra qualquer proibição, o incentivo é agir conforme a lei. Quanto mais proibição, mais atração. Os Estados Unidos proibiram por emenda constitucional a venda e o consumo de álcool, e fizeram-se fortunas. Surgiu a máfia italiana que tomou conta da máfia holandesa na Nova Inglaterra, até que veio a revogação constitucional.
O senhor comparou com a lei seca americana e um dos pontos defendidos por especialistas é que o Brasil, com essa proibição, pode fazer com quem o próprio crime organizado doe e não mais o empresário.
Isso eu já falei mais de uma vez, em diferentes palestras. O ministro Gilmar Mendes também falou. A candidata a vereadora mais forte em Nova Iguaçu (RJ) é a filha do Fernandinho Beira-Mar. Saiu até a fotografia dela nos jornais. Então, é o que o ministro Gilmar Mendes, eu e outros antecipamos a pergunta: o crime organizado vai ficar de fora?. O crime organizado não vai ficar fora do processo eleitoral. E ele está mais incentivado agora a financiar mandatos. É um estímulo. Outra consequência? Cresce barbaramente a força eleitoral de pastores evangélicos e apresentadores de rádio e de televisão.
O senhor acha que a lei pode ser revista?
Eu acho que vai ser revista. Haverá uma emenda constitucional para resolver o assunto, porque, aliás, é rica a jurisprudência brasileira modificada pelo Congresso. Toda vez que a Justiça Eleitoral ou o Supremo afirma que algo está incompatível com a realidade política, fazem uma emenda constitucional. A proibição de doação para campanha eleitoral de pessoas jurídicas foi muito abrupta, veio sem transição, para que o sistema eleitoral pudesse, dentro dos bons parâmetros da ética democrática, conceder um meio alternativo. Temo a prevalência de meios escusos mais sofisticados nessa mudança tão abrupta.