Se a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 do teto dos gastos públicos tramita em tempo recorde na Câmara dos Deputados, atendendo metas traçadas pelo governo Michel Temer (PMDB-SP), mais de uma dezena de propostas tão ou mais importantes, como a que acaba com o foro privilegiado dos servidores dos três poderes da República – inclusive do Ministério Público –, um instrumento essencial contra a corrupção e a impunidade, seguem emperradas no Congresso. São propostas que tramitam há mais de 11 anos na Casa, mas nunca chegam ao plenário. A primeira delas foi apresentada ainda em 2005, sob os efeitos do escândalo do mensalão – esquema de pagamento de propina a parlamentares da base aliada do primeiro governo Lula em troca de aprovação de projeto de interesse do governo –, mas ficou nisso.
O assunto parece mesmo ser um tabu na Câmara dos Deputados. O novo presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), respondeu com evasivas sobre a possibilidade de essa PEC ser colocado em pauta. Em julho, logo depois de tomar posse na presidência, disse ainda não ter opinião formada sobre o tema. “Não conheço o projeto. Há um clamor da sociedade que a princípio procede. Não há nenhum tema intransponível. Assim que for aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), vamos levar para discussão com os líderes partidário”, afirmou.
Maia, no entanto, omitiu que pelo menos uma das PECs foi a plenário em 2009 e recebeu o voto contrário do atual presidente da República. À época, Michel Temer estava no comando da Casa e levou à apreciação do plenário, que rejeitou a proposta. Teve apenas 260 votos dos 308 necessários. Outros 121 deputados foram contrários e 31 abstiveram-se. Apenas PSDB, DEM e PV orientaram seus deputados a votar contra o projeto.
De acordo com consultor legislativo da Câmara dos Deputados Newton Tavares Filho, que fez uma pesquisa comparada com outros 12 países, em nenhum outro o foro privilegiado abrange número tão elevado de autoridades e de tribunais superiores quanto no caso brasileiro, que chegam a 30. “O foro é atribuído ao cargo e não à pessoa e, em função disso, a literatura jurídica justifica o foro. O foro privilegiado conduz à impunidade na medida que os tribunais superiores – como o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente – não têm condições e não são feitos para julgar casos criminais. Esse é o principal argumento para dizer que o foro privilegiado não se justifica mais”, disse Tavares Filho.
Os movimentos populares, que tomaram as ruas do país nos últimos dois anos, já deixaram claro que rejeitam o privilégio. E tem ganhado apoios de diversos setores da sociedade, como o juiz federal Sérgio Moro, que preside a Operação Lava-Jato, que desvenda esquemas de corrupção de políticos e empreiteiros com recursos da Petrobras. “O foro privilegiado fere a ideia básica da democracia de que todos devem ser tratados como iguais. Acho que não existe muita razão sobre foro privilegiado”, defendeu Moro diante dos integrantes da comissão especial da Câmara, criada para debater as 10 medidas de combate à corrupção, apoiadas pelo Ministério Público. As propostas receberam mais de 2 milhões de assinaturas de apoio da população.
APOIO Juntam-se aos eleitores e a Sérgio Moro outros importantes segmentos da sociedade como representantes de associações de juízes, promotores e procuradores, que defenderam o fim da prerrogativa de foro privilegiado para autoridades durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O colegiado analisa 11 propostas de emenda à Constituição (PECs) que tratam da questão.
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Carvalho Veloso, o foro se transformou em instrumento para a impunidade, porque os julgamentos são demorados e os crimes prescrevem ao longo do processo. A mesma opinião foi expressa pelo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, para quem os processos de pessoas com foro especial leva muito mais tempo para ser julgado.