O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso é um dos maiores críticos do foro privilegiado no país. “O homem comum tem como foro o juiz de primeiro grau, com os recursos processuais cabíveis, que é o juiz natural de todos os cidadãos, sem exceção”, disse ele em entrevista ao Estado de Minas.
Velloso afirma que o grande prejudicado com o foro privilegiado é a própria sociedade. “Se o Estado não pune aquele que praticou o delito, num devido processo legal, estaria punindo a vítima. É aquela história, se se absolve o lobo, está se condenando a ovelha. O condenado, a vítima, nesse caso, é a própria sociedade.”
O foro privilegiado protege os maus políticos?
Protege, sim. Começa por se tratar de um privilégio. O homem comum tem como foro o juiz de primeiro grau, com os recursos processuais cabíveis, que é o juiz natural de todos os cidadãos, sem exceção. A proteção começa, então, com o privilégio do foro.
Por que até hoje essa regra está em vigor?
Porque quem tem o privilégio é quem pode alterá-lo, pode suprimi-lo. E a regra é a pessoa não desejar perder o privilégio. Convém esclarecer que a história republicana não conhecia foro privilegiado para os parlamentares até a Emenda nº 1, de 1969, outorgada pela Junta Militar. Hoje, temos uma extensa casta de privilegiados. Pobre República.
Qual seria a melhor forma para mudar as regras do foro privilegiado?
Falando a verdade nua e crua, a melhor forma para mudar as regras do foro privilegiado seria, simplesmente, acabar com ele.
Há um prejuízo para a sociedade com a continuidade do foro privilegiado?
É claro que há. Se o Estado não pune aquele que praticou o delito, num devido processo legal, estaria punindo a vítima. É aquela história, se se absolve o lobo, está-se condenando a ovelha.
Por que o foro privilegiado foi instituído no Brasil, há algum parâmetro em outros países?
O foro privilegiado é um resquício do Império que tivemos, no Brasil, por longo tempo, da monarquia, onde são naturais as distinções, os privilégios. Numa República, o natural é o respeito ao princípio da igualdade, igualdade na lei e igualdade perante a lei. Os valores fundamentais da democracia são estes: a liberdade e a igualdade. Milton Campos, o grande político mineiro, proclamava que, sem a liberdade cai-se na opressão política, sem a igualdade, na opressão econômica, instaurando-se, ademais, sistema de privilégios, de exceções. O princípio isonômico, ou o princípio da igualdade, é inerente ao regime democrático e à República. Nesta, há de predominar a simplicidade e a igualdade. Penso que devemos tomar como parâmetro os Estados Unidos da América, que nunca foi império e que, por isso mesmo, não conhece o foro privilegiado para os seus parlamentares, para os seus secretários de Estado, para os seus juízes, para suas autoridades. Foro privilegiado, repito, é uma excrescência..