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Estado de Minas

Carlos Velloso: "O prejudicado com o foro privilegiado é a sociedade"

Em entrevista ao Estado de Minas, o ministro aposentado do STF critica as atuais regalias aos políticos e defende o fim do foro privilegiado


postado em 29/10/2016 14:58 / atualizado em 29/10/2016 15:06

(foto: Correio Braziliense)
(foto: Correio Braziliense)
O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso é um dos maiores críticos do foro privilegiado no país. “O homem comum tem como foro o juiz de primeiro grau, com os recursos processuais cabíveis, que é o juiz natural de todos os cidadãos, sem exceção”, disse ele em entrevista ao Estado de Minas.

Velloso afirma que o grande prejudicado com o foro privilegiado é a própria sociedade. “Se o Estado não pune aquele que praticou o delito, num devido processo legal, estaria punindo a vítima. É aquela história, se se absolve o lobo, está se condenando a ovelha. O condenado, a vítima, nesse caso, é a própria sociedade.”

O foro privilegiado protege os maus políticos?

Protege, sim. Começa por se tratar de um privilégio. O homem comum tem como foro o juiz de primeiro grau, com os recursos processuais cabíveis, que é o juiz natural de todos os cidadãos, sem exceção. A proteção começa, então, com o privilégio do foro. E mais: como os tribunais não têm vocação e nem condições materiais para julgar, originariamente, ações criminais, e mais os recursos que lá chegam, os processos andam a passos de tartaruga. Assim, por mais que ministros e desembargadores se esforcem, certo é que não dão conta do recado no tempo apropriado. A impunidade, então, vem a galope em termos de prescrição, prescrição pela pena imposta, quando a isto se chega.

Por que até hoje essa regra está em vigor?
Porque quem tem o privilégio é quem pode alterá-lo, pode suprimi-lo. E a regra é a pessoa não desejar perder o privilégio. Convém esclarecer que a história republicana não conhecia foro privilegiado para os parlamentares até a Emenda nº 1, de 1969, outorgada pela Junta Militar. Hoje, temos uma extensa casta de privilegiados. Pobre República.

Qual seria a melhor forma para mudar as regras do foro privilegiado?

Falando a verdade nua e crua, a melhor forma para mudar as regras do foro privilegiado seria, simplesmente, acabar com ele. Mas não acredito que os detentores desse foro, que não passa de uma excrescência, acabem por extingui-lo. Então, sugiro uma emenda estabelecendo que o foro privilegiado, que é um foro por prerrogativa de função, valha somente para os delitos relacionados diretamente com a função exercida. Assim, relativamente ao parlamentar, por exemplo, esse foro somente seria aplicado tratando-se de delito relacionado, diretamente, com a função parlamentar. Estendê-lo, como acontece, para crimes comuns de todas as espécies, é um absurdo. Ora, se o parlamentar, exemplificando, cometeu estelionato, atropelou alguém, praticou estupro, apropriou-se de dinheiro público, recebeu propina, incorreu em crime de falso testemunho, será ele julgado pela Justiça comum, estadual ou federal, que é o foro natural de todos os indivíduos, de todos os cidadãos. O mesmo pode ser dito relativamente a todos os detentores desse foro.

Há um prejuízo para a sociedade com a continuidade do foro privilegiado?

É claro que há. Se o Estado não pune aquele que praticou o delito, num devido processo legal, estaria punindo a vítima. É aquela história, se se absolve o lobo, está-se condenando a ovelha. O condenado, a vítima, nesse caso, é a própria sociedade.

Por que o foro privilegiado foi instituído no Brasil, há algum parâmetro em outros países?
O foro privilegiado é um resquício do Império que tivemos, no Brasil, por longo tempo, da monarquia, onde são naturais as distinções, os privilégios. Numa República, o natural é o respeito ao princípio da igualdade, igualdade na lei e igualdade perante a lei. Os valores fundamentais da democracia são estes: a liberdade e a igualdade. Milton Campos, o grande político mineiro, proclamava que, sem a liberdade cai-se na opressão política, sem a igualdade, na opressão econômica, instaurando-se, ademais, sistema de privilégios, de exceções. O princípio isonômico, ou o princípio da igualdade, é inerente ao regime democrático e à República. Nesta, há de predominar a simplicidade e a igualdade. Penso que devemos tomar como parâmetro os Estados Unidos da América, que nunca foi império e que, por isso mesmo, não conhece o foro privilegiado para os seus parlamentares, para os seus secretários de Estado, para os seus juízes, para suas autoridades. Foro privilegiado, repito, é uma excrescência.


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