Jornal Estado de Minas

Decisão do Supremo deixa Renan sob pressão


O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), vive momentos de tensão, com a votação pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a favor da proibição de que réus em ações penais ocupem cargos na linha sucessória da Presidência da República. Seis dos 11 ministros foram favoráveis ontem à ficha limpa. A decisão atinge diretamente os ocupantes dos cargos de vice-presidente da República e de presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Renan, que é o substituto natural de Michel Temer, ainda não é réu em ação penal, embora responda a 11 inquéritos da Lava-Jato no STF.

Além disso, o presidente do Senado já foi denunciado em outro inquérito, no qual é investigado por falsidade ideológica, uso de documento falso e peculato. Em nota divulgada ontem, Renan reforça que não “é réu em qualquer processo judicial e, portanto, não está afetado pela manifestação dos ministros do STF, ainda inconclusa”. Segundo a nota, o presidente do Senado responde a inquéritos que são “por ouvir dizer ou interpretações de delatores”.

O julgamento da medida cautelar apresentada pela Rede Sustentabilidade foi interrompido ontem, porque o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo. A nova data para retomada da votação ainda não está definida, o que deixa Renan respirar.
O mandato dele como presidente do Senado termina em janeiro. Assim, caso o STF não conclua até lá o julgamento da denúncia, o efeito será inócuo para ele. Para que Renan seja afastado do cargo de presidente do Senado (mas não de senador), é preciso que a denúncia seja aceita e que o STF proíba réus de ocuparem os cargos que podem substituir o presidente da República.

O ministro-relator Marco Aurélio Mello disse que a linha sucessória, embora envolva cidadãos, é relativa aos poderes Legislativo e Judiciário. “A linha da sucessão diz respeito aos poderes Legislativo e Judiciário. Não contemplando substituição do titular de qualquer das presidências nem a possibilidade de impedir do primeiro da ordem vir a ser chamado subsequente, é quebra de sistema. Menosprezo para esta ou aquela Casa. É a importância das Casas legislativas e deste tribunal”, afirmou em um voto de apenas três páginas.

Impedido


O voto de Mello foi acompanhado por Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello.
Além de Toffoli, ainda não votou a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou impedido por razões pessoais. Outros dois estavam ausentes: Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Fachin foi o primeiro a votar depois de Marco Aurélio. Ele citou valores que devem estar presentes no sistema republicano: honestidade, patriotismo, integridade, sobriedade, abnegação, laboriosidade e compromisso com o destino dos demais.

O voto de Rosa Weber foi no mesmo sentido. Assim como Mello, que deu seu voto sem lê-lo na íntegra, Weber ressaltou apenas trechos. “O constituinte situou a dignidade do cargo de presidente da República acima de qualquer interesse individual de quem o exerça, seja como titular, seja em caráter substitutivo”, disse Rosa, acrescentando: “A assunção ou a permanência em cargo na linha sucessória da Presidência da República exige de seu ocupante que esteja apto a ocupar a qualquer tempo a presidência caso isso se faça necessária”.

Em seguida, foi a vez de Fux: “Ao prever o afastamento das funções optou o constituinte em prestigiar a dignidade do cargo de presidente da República. Seria um contrassenso incompatível chancelar solução, ainda que temporária, de quem não pode observar padrões da conduta indissociável com o cargo de presidente da República.
Não há de se falar em legitimidade democrática se quem está no cargo da Presidência da República se distancia de patamares éticos e morais”. O ministro Celso de Mello, decano da Corte, pediu a antecipação do seu voto e acompanhou Marco Aurélio, isso mesmo depois do pedido de vista de Toffoli, que levou à suspensão da sessão.

Alvo

A ação foi apresentada pela Rede Sustentabilidade em maio, logo depois que o STF transformou em réu o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o verdadeiro alvo da consulta à Corte. Cunha está preso pela Operação Lava-Jato, depois de ser cassado pela Câmara. Na ação, a Rede argumentou que o exercício da Presidência da República é incompatível com a condição de réu. Para o partido, o afastamento do presidente da Câmara ou do Senado dos seus cargos em caso de responder ação penal, “não equivale à imposição de uma sanção, mas tão somente ao reconhecimento de impedimento temporário para o exercício de cargo particularmente elevado e diferenciado”.

O julgamento da ação da Rede foi agendado há duas semanas, antes das críticas de Renan ao juiz Vallisney de Souza, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, que autorizou operação no Senado para prender quatro policiais legislativos sob acusação de obstruir a Lava-Jato. O presidente do Senado chamou o magistrado de “juizeco”.  Cármen Lúcia rebateu Renan no dia seguinte e disse que o Judiciário merece respeito.

O advogado da Rede, Daniel Sarmento, argumentou que afastar réus de cargos na linha sucessória da Presidência da República não significa violação à presunção da não culpabilidade, ou seja, uma punição antes mesmo do término do julgamento da ação penal. “Trata-se aqui do respeito à honorabilidade do Estado brasileiro. Não se trata aqui de qualquer tipo de punição. Não cabe falar em violação à presunção de não culpabilidade ou qualquer coisa do gênero. Trata-se de preservar a imagem do Estado brasileiro a partir da premissa de que determinadas suspeitas abalam a imagem interna e internacional do Estado.
Ninguém pode ocupar um cargo de acesso à chefia de estado se contra essa pessoa pesar ação penal instaurada na Suprema Corte”, defende Sarmento.

O líder da Rede na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), acompanhou o julgamento da ação do seu partido. Ele afirmou que o pedido é claro no sentido de que um presidente da Câmara ou do Senado que seja réu no STF tem que deixar o posto. Ele é contrário a tese de que simplesmente o presidente de uma dessas Casas não ocupe a Presidência da República, mas continue comandando Câmara ou Senado. “Essa não é uma questão menor, é uma questão que muda o paradigma, a forma de se entender o exercício do Poder Legislativo, seja em qualquer uma dessas Casas”.

Janot

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, concordou integralmente com o teor da ação apresentada pela Rede Sustentabilidade. Ele entende que um político eleito que seja réu em ação penal não pode presidir o comando da Câmara ou do Senado. Para Janot, a representação pública das Casas não pode ser prejudicada por atos individuais de seus presidentes.

“A atividade política é muito nobre e deve ser preservada de pessoas envolvidas com atos ilícitos, ainda mais quando sejam objetos de ação penal em curso na Suprema Corte do país”, disse o procurador. Janot concluiu afirmando que a posição da PGR é que réus em ação penal não podem ocupar nenhum desses cargos, como passíveis de substituir o chefe do Executivo. Para o procurador-geral, o assunto ganha mais importância porque, no momento, o país está sem vice-presidente da República..