Brasília - A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) do Senado começa nesta semana a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2013, de autoria do senador Alvaro Dias (PV-PR), que extingue o foro privilegiado para autoridades no país. Apesar da expectativa do relator da proposta, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de apreciá-la na próxima semana, levantamento preliminar do Correio Braziliense/Estado de Minas com os 27 senadores titulares do colegiado mostra que uma batalha corporativa está no caminho da PEC: somente sete se posicionaram totalmente contra a prerrogativa e devem acompanhar o voto de Randolfe pela extinção completa do benefício, inclusive para o presidente da República.
Atualmente, prefeitos, deputados estaduais, governadores, desembargadores, membros dos tribunais regionais federais, eleitorais e do Trabalho, presidente e vice da República, ministros, membros dos tribunais superiores, senadores e deputados federais são contemplados pela prerrogativa. Ao todo, estima-se em 22 mil profissionais no país. No relatório protocolado na sexta-feira na CCJC, Randolfe Rodrigues determina que todos os integrantes de cargos públicos respondam por crimes comuns na primeira instância do Judiciário. A única ressalva é feita no caso do chefe do Executivo, na qual se exige a autorização de dois terços da Câmara para que seja aberto um processo criminal.
Além dos senadores da comissão que se posicionaram contra e a favor, quatro preferiram não se manifestar; um é indiferente; sete não foram localizados pela reportagem e um está licenciado do mandato. Na época em que o texto da PEC foi apresentado pela primeira vez, em 2012, contou com o apoio de mais de 27 senadores, entre eles o atual líder do governo, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e o agora governador do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg. Em uma enquete promovida pelo site do Senado sobre a matéria, 42.223 pessoas afirmam ser favoráveis, e somente 134 contra.
Desde que entregou o relatório, Randolfe começou uma peregrinação para mostrar aos colegas a importância de se acabar com o foro privilegiado. “É um modelo que não se sustenta mais. Ele se tornou anacrônico no Brasil. Transformou-se em um instrumento de protelação judicial e obstrução de Justiça”, comenta o senador. O assunto voltou à tona após a deflagração da Operação Métis, na qual a Polícia Federal prendeu quatro policiais legislativos do Senado acusados de atrapalhar as investigações da Lava-Jato. O episódio fez com que o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), entrasse com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo alegando imunidade se sede do Congresso Nacional.
Vontade
Além das barreiras que a proposta deve encontrar no Senado, o caminho na Câmara dos Deputados também não será fácil. Aos menos três propostas de extinção do foro já passaram pela Casa e não tiveram êxito. A PEC 130/07 foi a que mais avançou, chegou a ser votada, mas foi rejeitada em plenário. Para o autor da PEC 470/05, Anselmo de Jesus, 70% dos parlamentares não querem o fim do foro privilegiado. “Os deputados ficam querendo e não querendo ao mesmo tempo. Sempre pedem mais tempo para analisar a proposta quando percebem que vai passar”, conta.
Anselmo lembra que, quando criou a proposta, sobraram ofensas até para a mãe dele. “Os outros deputados falavam que eu estava inventando moda, que deveria colocar uma melancia na cabeça e que não tinha o que fazer.” Segundo ele, não faz sentido criar uma lei para proteger os criadores das leis. “Quem deveria ser beneficiado pela lei é cidadão comum porque, às vezes, comete delitos por falta de conhecimento”, protesta.
O tema não é polêmico somente entre parlamentares, principalmente, por causa da sensação de impunidade que o foro causa na sociedade. O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, lembra que o foro privilegiado faz os processos andarem de um local para o outro quando o político muda de cargo eletivo, o que gera uma “dança” prejudicial ao cidadão, porque os processos demoram e acaba havendo prescrição. “É a música da impunidade. O processo, de tanto ir de um lado para o outro, termina prescrevendo porque nenhuma dessas instâncias o julga”, comenta Veloso.
De acordo com o desembargador federal aposentado e professor da PUC-PR Vladimir Passos de Freitas, o sistema precisa mudar. “É um absurdo. Se um governador bate um carro e fere alguém, esse processo é analisado em instância superior. Não faz o menor sentido um crime pessoal ser tratado dessa maneira. Ele deveria funcionar somente para crimes relacionados à função pública exercida”, acrescenta Freitas. (Colaboraram Paulo de Tarso Lyra e Patrícia Rodrigues)