Eleitos e reeleitos pelo voto popular, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) fazem parte dos 10,8 milhões de brasileiros que não escolheram candidato no segundo turno do pleito municipal, 32,7% do eleitorado apto a votar.
Oficialmente, Lula informou que tem 71 anos – o voto é facultativo para quem tem mais de 70 anos e entre 16 e 18 anos incompletos. Nos bastidores, a decisão do petista seria uma crítica ao cenário político brasileiro. Lula vota em São Bernardo do Campo (SP), onde Orlando Morando (PSDB) saiu vitorioso ao disputar o segundo turno com Alex Manente (PPS). Já Dilma, que tem 68 anos, não votou porque estava fora de Porto Alegre, seu domicílio eleitoral. Na capital gaúcha, o duelo ficou entre candidatos de partidos que protagonizaram o impeachment da petista, o PMDB, de Sebastião Melo, e o PSDB, que elegeu Nelson Marchezan Junior.
Assim como os dois políticos, outros milhões de brasileiros ajudaram a engrossar a estatística do “não-voto”. Eleitor de BH, o cozinheiro Antônio de Paula Gomes, de 57 anos, se recusou a interromper suas férias para ir votar.
“Depois dessa baixaria, não ia sair da roça para cometer essa loucura. Os candidatos não convenceram a população”, reclama Gomes, que afirma não se sentir distante da política, pelo contrário. “Acompanho sempre”, diz.
De acordo com levantamento do Estado de Minas, a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), BH é a terceira capital com maior índice de votos nulos, em branco ou abstenções no país, que correspondem a 38,4% do eleitorado. Eleito com 628 mil votos, Kalil teve menos votos do que os 742 mil que correspondem à soma dos nulos, em branco e abstenções. A campanha na capital foi marcada por acusações pessoais.
Além da estudante Marina Soltz, que votou nulo, a empresária Ivone Maciel, de 32, contraria as análises de quem fala que os eleitores estão longe da política. “Não me sinto distante da política. Só não fiquei à vontade de dar meu voto para o Kalil, que é dirigente de futebol, nem para o João Leite, por causa do PSDB”, afirma.
Embora seja bastante politizado, o vendedor Augusto Araújo, de 30, nunca se sentiu à vontade para votar em alguém e, desta vez, não foi diferente. Ele viajou no segundo turno das eleições na capital mineira. “Não acredito no sistema eleitoral. Acho que esse modelo de representatividade não funciona e penso que os políticos querem é salário e mordomia ao se candidatar”, afirma.
Personagem da notícia
Izidora Leonina Kambiwá
Uma candidata fictícia
Mulher negra, indígena, parteira e quilombola. Izidora luta pela moradia, pelo meio ambiente, pelos direitos de gays, lésbicas, transexuais, transgêneros e as mais diversas formas de ser e amar. Candidata a prefeita, seu número é 99, por representar 99% da população. A personagem, fictícia, foi criada por um grupo de eleitores decididos a anular o voto no segundo turno em BH, e que criaram a candidata para protestar e marcar posição no pleito. Izidora ficou famosa nas redes sociais e teve até campanha, com o slogan “Nem goleiro nem cartola. Meu voto é Izidora” (foto), em referência, respectivamente, a João Leite (PSDB) e ao prefeito eleito Alexandre Kalil (PHS). “Os projetos políticos que se colocaram no segundo turno são ligados aos mesmos donos de poder e não se alinham às lutas sociais da cidade”, afirma uma das ativistas da campanha Izidora 99, Júlia Moysés, que também integra o movimento político Muitas pela cidade que queremos. “Tem uma poesia que diz ‘eu anulo para não me anular’”, completa a ativista. Para Júlia, o alto número de abstenções, votos nulos e em branco impõe um outro cenário pós-eleitoral. “Izidora e essas outras vozes que compõem o nulo ter ganho significa que esse prefeito terá que negociar bem mais, pois ele não representa a maioria”, reforça. Assim como essa iniciativa, outras campanhas incentivando o voto nulo emergiram nessas eleições. Em Porto Alegre, o recado era “Anula lá”, numa alusão ao jingle “Lula Lá” da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989.