Jornal Estado de Minas

Decisão de Fux coloca em xeque até Lei da Ficha Limpa, dizem parlamentares


Mesmo na última semana de trabalhos no Legislativo e no Judiciário, mais um capítulo da guerra entre Poderes deflagrada este ano foi escrito. Em resposta à fatídica sessão da madrugada de 30 de novembro, em que deputados desfiguraram e aprovaram o pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal (MPF), o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, por meio de uma liminar, determinou que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado devolva o projeto à Câmara. Caso a determinação se mantenha, a tramitação da proposta terá de começar do zero novamente, desde a criação da comissão especial. Parlamentares afirmam que a decisão interfere no poder de legislar da Câmara e coloca em xeque até a Lei da Ficha Limpa.

De acordo com o magistrado, houve erros na tramitação das 10 medidas de combate à corrupção desde o início, quando o projeto foi assinado pelos deputados Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP), Diego Garcia (PHS-PR), Fernando Francischini (SD-PR) e João Campos (PRB-GO). Para Fux, por ser uma proposta de iniciativa popular com mais de 2 milhões de assinaturas, a mudança é inconstitucional. “O projeto subscrito pela parcela do eleitorado definida no artigo 61, parágrafo 2, da Constituição, deve ser recebido pela Câmara dos Deputados como proposição de autoria popular, vedando-se a prática comum de apropriação da autoria do projeto por um ou mais deputados”, afirmou no documento.

Além disso, o ministro criticou as alterações feitas pelos deputados no projeto, principalmente, a emenda que incluiu punições a juízes e integrantes do MP por abuso de autoridade aprovada na calada da noite. “(...) Que o projeto de lei de iniciativa popular seja debatido na sua essência, interditando-se emendas e substitutivos que desfigurem a proposta original para simular apoio público a um texto essencialmente distinto do subscrito por milhões de eleitores”, acrescentou Fux.

Autor do mandado de segurança no STF, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) comemorou que o ministro reconheceu o vício de iniciativa na emenda apresentada pelo deputado Weverton Rocha (PDT-MA). “Como a sociedade entendeu que isso foi uma espécie de retaliação à Operação Lava-Jato, fui demandado e entramos com a ação.
Claro que um projeto pode ser emendado durante a sua tramitação aqui no Congresso, mas ele não pode ser emendado invadindo a competência de outros poderes, usurpando assim a independência entre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.”

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu a decisão com estranhamento e encaminhou para análise da assessoria jurídica. “A princípio é uma decisão estranha. Uma interferência no processo Legislativo, inclusive, tratando o trâmite de uma iniciativa popular de forma que, se ele estiver correto, a Lei da Ficha Limpa também não vale”, destacou. Segundo Maia, é o trâmite normal de projetos de iniciativa popular que deputados patrocinem o projeto, até por causa da impossibilidade de checagem das assinaturas. “O parlamentar tem a prerrogativa de apresentar emendas, de fazer um relatório novo, em qualquer projeto. Se formos seguir, ao pé da letra, a decisão, vamos ter que começar a checar todas as assinaturas e são 2 milhões.”

Presidente da comissão especial que tratou do pacote anticorrupção, o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), criticou a atitude do magistrado. “O que o Supremo quer é que a Câmara confira assinatura por assinatura.
Com isso, daqui a 10 anos, ainda vamos discutir as 10 medidas porque é inviável. Colheram essas assinaturas em campos de futebol, no meio da rua, onde as pessoas estão com pressa. Como as assinaturas vão bater depois (numa conferência)?” Passarinho lembrou que, durante a comissão, juízes, promotores e procuradores estiveram presentes ao debate e o fato de um parlamentar assinar a proposta não foi questionado em nenhum momento.

Ao ser aprovado na Câmara, o projeto foi muito criticado por membros do Judiciário e do Ministério Público em todo o país, sendo chamado, inclusive, de “lei da intimidação”. O procurador da República integrante da força-tarefa da Lava-Jato Ronaldo Queiroz considerou a decisão de Fux inovadora e consistente. “(Ele) foi além, entendendo que o parlamento não pode desnaturar a essência de um projeto de iniciativa popular. Pode até rejeitar, mas não mudar o seu norte.” .