Os brasileiros de despedem de 2016 com a sensação de que o ano que hoje termina é um forte candidato a encabeçar a lista de piores dos últimos tempos – pelo menos no quesito política nacional. A crise envolvendo a então presidente Dilma Rousseff (PT) e o Congresso Nacional, iniciada no ano anterior, culminou na perda do mandato da petista e a posse de seu vice, Michel Temer (PMDB), que já havia dado sinais de rompimento com a titular do cargo. E não dá sinais de que dará uma trégua no próximo ano.
A troca de presidentes se deu a partir de um polêmico processo de impeachment – autorizado em dezembro de 2015 pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que chega ao final do ano sem mandato e atrás das grades, acusado de receber propina da Petrobras e usar contas na Suíça para lavar o dinheiro. Também está na berlinda o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
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Economia: Brasil viu desemprego disparar, contas públicas derreterem e PIB Mais perdas do que ganhosPágina pessoal de Michel Temer na internet é invadida por hackersA Lava-Jato, maior operação para investigação sobre corrupção no país, termina o ano com mais 17 etapas e a prisão de 70 pessoas, entre eles, políticos graúdos. Além de Eduardo Cunha, foram para a cadeia este ano, entre ourtros, o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, o ex-senador Gim Argello, os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci e o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB).
DENUNCIADO O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi denunciado pelo MPF como líder do esquema de corrupção envolvendo a Petrobras. Em consequência da crise política, o PT amargou a maior derrota eleitoral na disputa de outubro e o eleitor que compareceu às urnas bateu recordes de votos brancos e nulos. Milhares de brasileiros também foram às ruas ao longo de 2016: alguns contra o que chamaram de golpe com a saída de Dilma, outros a favor das investigações da Lava-Jato e o combate à corrupção.
A voz das ruas, no entanto, não teve eco em Brasília.
Impeachment de Dilma
Acusada de cometer crimes de responsabilidade, a então presidente Dilma Rousseff (PT) enfrentou um processo que durou nove meses até a perda do mandato conquistado nas urnas com 54 milhões de votos. Em 31 de agosto, ela foi derrotada no Senado: votaram a favor do impeachment da petista 61 dos 81 senadores. Os parlamentares, no entanto, mantiveram os seus direitos políticos, ou seja, garantiram a possibilidade de Dilma disputar a eleição de 2018.
Temer presidente
Eleito vice na chapa de Dilma Rousseff em 2014, Michel Temer (PMDB) deixou de ser interino – posto ocupado desde 12 de maio, quando a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment contra a petista – e assumiu definitivamente o cargo até o fim de 2018.
Queda de Eduardo Cunha
Até então conhecido como o todo-poderoso em Brasília, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi afastado do comando da Casa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), teve o mandato cassado pelos colegas de plenário, e foi preso preventivamente, em 19 de outubro, por decisão do juiz Sérgio Moro. Cunha é acusado de receber propina de contrato de exploração de Petróleo no Benin, na África, e de usar contas na Suíça para lavar o dinheiro.
Renan no banco dos réus
Ao acatar denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2013, os ministros do STF tornaram o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), réu pelo crime de peculato. Ele é acusado de usar propina de uma empreiteira para pagar pensão a uma filha que teve fora do casamento. No último dia 12, o senador foi denunciado novamente, desta vez pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, no âmbito da Lava-Jato. Se o STF aceitar essa nova denúncia, ele se tornará réu pela segunda vez.
‘Daqui não saio’
Em 5 de dezembro, o ministro do STF Marco Aurélio Mello determinou liminarmente o afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência do Senado, atendendo a um pedido feito pela Rede. Com a ajuda de parlamentares que compõem a direção da Casa, Renan descumpriu a ordem judicial e se recusou a deixar o cargo enquanto o plenário do STF não analisasse o caso. Dois dias depois da liminar, por seis votos a três, os ministros mantiveram o alagoano no cargo, em um julgamento marcado por ironias e críticas. O STF saiu desmoralizado da história.
Lava-Jato
Iniciada em março de 2014, a investigação sobre o maior escândalo de corrupção no país teve 17 etapas ao longo deste ano.
Lula vira réu
O ex-presidente Lula foi uma das 103 pessoas conduzidas coercitivamente a depor aos procuradores da força-tarefa do MPF e Polícia Federal em 2016, e termina o ano respondendo a cinco ações penais, três delas no âmbito da Lava-Jato. O petista é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por contratos firmados entre a Petrobras e a construtora Norberto Odebrecht; envolvimento em fraudes em contratos do BNDES; tentativa de obstrução da Justiça; corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela suspeita de ele e a mulher Marisa serem os verdadeiros donos de um apartamento triplex em Guarujá (SP). Um grampo telefônico na Operação Aletheia, que tinha como alvo principal o ex-presidente, revela que a presidente Dilma enviaria o “termo de posse” na Casa Civil para Lula assinar “em caso de necessidade”. Para a Justiça, o objetivo era garantir o foro privilegiado ao petista e tirá-lo do alcance do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato na primeira instância. Mesmo empossado, Lula foi impedido de assumir o cargo por uma liminar do STF.
Delação da Odebrecht
Aos poucos, os 77 delatores da empreiteira começaram a revelar os bastidores do esquema de corrupção nas obras da Petrobras. Toda a cúpula do PMDB no Senado surgiu na delação da Odebrecht. Um dos amigos mais próximos de Temer, José Yunes, teve de deixar o cargo de assessor especial da Presidência da República por suspeita de corrupção. Temer e a cúpula do governo foram mencionados em diversas ocasiões pelos delatores, que os acusam de ter pedido dinheiro à empreiteira.
Queda de ministros
Pouco depois de assumir o governo, Michel Temer se viu às voltas com denúncias envolvendo sua equipe. O primeiro a cair foi o ministro do Planejamento Romero Jucá (foto) (PMDB-RR), após ser flagrado em conversas, gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Nas gravações, Jucá afirmava que era necessário “estancar essa sangria”, se referindo à Operação Lava-Jato. Depois vieram Fabiano Silveira, da Transparência; Henrique Eduardo Alves, do Turismo; Fábio Medina Osório, da Advocacia-Geral da União); Marcelo Calero, da Cultura, e, por último, o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, deixou o cargo acusado por Calero de usar sua influência para defender interesse pessoal envolvendo um imóvel em Salvador.
Eleições municipais
O desencanto do eleitor com a política foi demonstrado nas urnas em outubro. Apurados os votos, a opção pelo branco ou nulo bateu recordes na história das eleições diretas. No segundo turno, realizado em 57 cidades brasileiras, 14,3% daqueles que foram às urnas não escolheram nenhum candidato. A abstenção também bateu os números de eleições anteriores: 21,5% do eleitorado não apareceu para votar. E desta vez, nomes de fora da política conquistaram o eleitor, como o entrevistador de talk-shows e empresário João Dória (PSDB), eleito em São Paulo, e o ex-presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil (foto) (PHS), que comandará Belo Horizonte a partir de amanhã.
Enfraquecimento do PT
Depois de governar o Brasil por 13 anos, o PT sofreu a sua pior derrota entre todas as legendas nas eleições de outubro. Se em 2004 o partido elegeu 411 prefeitos – no embalo da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial de 2002 – e em 2012 chegou a 644, em 2016 amargou a eleição de apenas 256 prefeitos. Entre os sete nomes que disputaram o segundo turno, nenhum conseguiu se eleger.