Quase metade dos detentos no Brasil está presa temporariamente

Segundo especialista, burocracia não acelera as decisões e sistema punitivo deve ser revisto

Azelma Rodrigues
Especial para o EM


Para o professor de Criminologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP) Alvino de Sá, a reunião entre Temer, que representa o Executivo, e a ministra Cármen Lúcia, chefe do Judiciário, que aconteceu neste sábado, é significativa porque gera um debate mais profundo sobre a grave questão do descaso do Estado com o sistema presidiário.
“É hora de o Judiciário também se preocupar. Não no sentido de ser mais um a fazer cobranças ao Executivo, mas de repensar suas próprias práticas”, diz o professor, que sugere revisão do sistema punitivo no país.

Segundo ele, dos 620 mil presos que superlotam as cadeias em todo o Brasil, cerca de 43% são prisões temporárias, com penas leves e sujeitas a revisões, mas a burocracia não acelera as decisões. “O efeito dominó começou faz tempo”, diz Alvino, que tem 33 anos de experiência em presídios. “O problema é que os políticos agem conforme o clamor popular, atacando as consequências e nunca as causas. E a criminalidade continua aumentando cada vez mais, com a criação de leis mais punitivas e outras soluções improvisadas”, prossegue o professor.

O professor da USP diz se lembrar do nascimento do PCC, em 1992, a partir de uma “comissão” criada em presídios paulistas, “que diziam ser em defesa dos direitos dos presos, como o acesso a assistência jurídica e contra a tortura”. Para ele, o descaso das autoridades, que não tiveram inteligência e vontade política para entender o que acontece nas prisões brasileiras, ajudou o PCC a se tornar uma das maiores facções criminosas do país, junto ao Comando Vermelho. “Só aumentar vagas vai ampliar a ânsia punitiva dos juízes”, diz ele, que acredita que o Judiciário também é responsável pela superlotação das prisões “porque só prende, pune, e não vê as causas mais profundas” do sistema.

REUNIÃO Não estava na agenda, mas a tensão criada pela crise nos presídios, com ameaça de um efeito dominó pelo país, levou o presidente Michel Temer a passar a manhã de ontem na casa da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia.
Temer foi quase disfarçado, em um carro sem identificação oficial e desacompanhado de assessores. Nada revelou ao sair da casa no Lago Sul, assim como nada foi explicado pelo lado do STF.

A conversa, prevista inicialmente para hoje, tratou da gravidade na crise do sistema prisional do país. Temer já tinha conversado com a ministra ao telefone, na última sexta-feira, logo após o retorno dela de Manaus, onde se reuniu com os presidentes dos tribunais de Justiça da Região Norte para discutir os problemas do sistema carcerário. A semana foi marcada por atropelos e declarações confusas do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, do governador do Amazonas, José Melo (PROS), e do próprio presidente Temer, que classificou a matança no presídio de Manaus, de quase 60 presos, como “acidente pavoroso”.

Preocupados com a ameaça de a guerra das facções se espalhar pelo país, autoridades começaram a agir, como em São Paulo, onde 71 presos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) foram transferidos para cadeias sigilosas. No Piauí, o governo reforçou o protocolo de segurança nas cadeias, realizou vistorias e reforçou a equipe de agentes penitenciários. Aliada à explosão dos problemas vindos do Norte, outros estados, como Goiás e Rio Grande do Norte, registraram fuga de presos. Na madrugada de ontem, 14 detentos fugiram da penitenciária estadual de Parnamirim, em Natal. Teriam usado o mesmo túnel por onde passaram outros cinco na terça-feira. Todos foram recapturados..