Em meio à crise dos presídios, empresários e políticos detidos por crimes do colarinho branco, como corrupção e lavagem, não têm muito o que reclamar. Se estar encarcerado não é desejo de consumo de ninguém, ao menos eles vivem uma situação bem diferente das mais de 600 mil pessoas. As celas não estão superlotadas, eles podem dormir em camas ou colchões, existe até água quente para alguns réus da Operação Lava-Jato e foram feitas reformas em parte das dependências da Papuda (DF), onde alguns observadores estrangeiros vêm periodicamente avaliar as condições de alguns deles.
Um dos motivos para a diferenciação é que a legislação brasileira exige celas diferentes para presidiários com curso superior, acusados de crimes sem relação com violência grave ou que não representem ameça. Os réus por colarinho branco que personificam as grandes operações policiais contra a corrupção costumam se encaixar neste perfil.
Para o professor de direito penal e processual penal Daniel Gerber, não existe regalia alguma para eles. “Eles respeitam em parte o que está na Lei de Execuções Penais, conseguindo preservar a vida e a dignidade”, afirmou ele, advogado de vários investigados na Operação Lava-Jato.
Um policial acrescenta que os encarcerados são tratados tanto com “firmeza” quanto com “dignidade”, de acordo com a legislação, que exige uma cela limpa, arejada, com luz solar e um mínimo de seis metros quadrados.
Outros especialistas, no entanto, avaliam que se trata de mais uma divisão injusta da sociedade. Se o Estado trata o rico e o pobre de maneira diferente dentro da escola pública e dos centros de saúde públicos, não poderia fazer diferente nas cadeias do Brasil. “É uma sociedade desigual em todos os sentidos, inclusive na prisão”, avalia a ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon.
O mestre em antropologia e ex-cabo do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM do Rio Paulo Roberto Storani diz que todos os presos deveriam estar separados uns dos outros em razão dos seus crimes, assim como ocorre com os detentos do colarinho branco. “A lei tem que ser igual para todos. Se não, é uma regalia”, disse.
Cabral tem espaço folgado em Bangu
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho (PMDB) está detido na Zona Oeste da capital fluminense, no Complexo de Bangu, entre mais de 27 mil presos. No entanto, ele se encontra num “oásis”, a unidade de Bangu 8, a cadeia Pedrolino Werley de Oliveira. Lá, só existem 92 pessoas, para uma capacidade de 154.
Acusado de embolsar R$ 224 milhões em propinas, o peemedebista está numa cela em que cabem seis detentos, mas só a divide com mais quatro. O local tem 16 metros quadrados, quase o triplo do exigido pela lei.
No Complexo Penitenciário da Papuda, um relatório afirma que a cadeia apelidada de “Cascavel” tem marmitas azedas e superlotação. No Setor de Vulneráveis, onde “moram” o ex-senador Luiz Estêvão e o doleiro Lúcio Funaro, as celas não estão nestas condições. O político, dono do grupo OK, fez até uma obra dentro de sua ala, embora isso tenha gerado uma investigação porque a empreitada não havia sido autorizada.
O ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no mensalão, fugiu para a Itália e argumentou que as cadeias no Brasil eram “masmorras”. Mas representantes do governo italiano e do Ministério Público visitaram o local e viram que os seus direitos fundamentais seriam respeitados ali. Pelo menos três inspeções no ano passado confirmaram isso.
No Paraná, a Operação Lava-Jato usa duas carceragens. A da Polícia Federal, no Bairro Santa Cândida, serve como local provisório e como destino definitivo de quem faz delação premiada para facilitar a tomada de depoimentos. Na Complexo Médico Penal, em Pinhais (PR), ficam os demais.
Chuveiro quente e quiropraxia
Ambos os locais são elogiados pelas condições, todos com chuveiro quente, embora com privadas turcas, sem vaso sanitário. O ex-diretor de Engenharia da Petrobras Renato Duque negocia delação e, por isso, deixou o complexo e agora está em Santa Cândida. Tempos atrás, o juiz Sérgio Moro autorizou a visita de um profissional de quiropraxia para tratar das dores musculares dos detentos, já que a maioria deles têm mais de 60 anos.
Em Roraima, onde houve rebelião com 33 mortes na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, as celas têm apenas quatro metros quadrados e chuveiro frio, segundo a assessoria do governo estadual. Os presos vivem até numa ala construída com paredes de tampas de marmitex.
A assessoria disse que “o local será extinto ainda este ano com a construção de uma nova unidade, reformas nas antigas e conclusão de outras duas obras que estavam abandonadas há mais de sete anos”. A reportagem procurou os governos e administrações de penitenciária no Distrito Federal e no Amazonas, mas não obteve esclarecimentos.