Conselheiros de política penitenciária renunciam por divergências com Moraes

Sete integrantes do grupo que debate política penitenciária criticam medidas do governo

Marcelo da Fonseca
Sete dos 16 integrantes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (incluindo o presidente do conselho) apresentaram nesta quarta-feira carta de renúncia coletiva por causa de divergências com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
No documento, eles criticam as medidas adotadas pelo ministro diante da crise carcerária e afirmam a falta de diálogo em busca de soluções para os problemas nas penitenciárias.


O pedido de demissão coletiva veio após o ministro publicar, na semana passada, uma portaria que altera o número de integrantes do conselho. A resolução aumentou em oito o número de vagas de suplência, forçando uma maioria de indicados pelo atual governo no órgão, que até então tinha 18 integrantes.

Dois dos conselheiros que renunciaram ontem – os mestres em ciências penais Leonardo Costa Bandeira e Leonardo Isaac Yarochewscki – afirmaram ao Estado de Minas que a opção do ministro pelo uso da força e da violência para resolver o problema e a falta de diálogo com o conselho foram os principais motivos pela renúncia coletiva.

“Passamos a ter um papel apenas protocolar e entendemos que os problemas do sistema penitenciário precisam ser enfrentados de outra forma. Combater a situação usando a violência e a força não é a solução”, avaliou Costa Bandeira, professor da PUC-Minas. Segundo ele, o modelo adotado no Plano Nacional de Segurança será incapaz de trazer avanços na questão carcerária.

“A atual política criminal capitaneada pelo Ministério da Justiça, a seguir como está, sem diálogo e pautada na força pública, tenderá, ainda mais, a produzir tensões no âmago de nosso sistema prisional, com risco da radicalização dos últimos acontecimentos trágicos a que assistiu, estarrecida, a sociedade brasileira”, alertam os conselheiros que renunciaram.

Por meio de nota, o Ministério da Justiça agradeceu o trabalho dos sete membros que pediram o desligamento e afirmou que os integrantes “identificavam-se com a gestão anterior” do governo do PT. “O conselho passará, ao natural, por renovação, o que proporcionará melhor compreensão do dramático cenário herdado. O descalabro penitenciário não é de hoje, não tem oito meses, mas décadas”, diz o texto. Por fim, a nota defende que o enfrentamento da criminalidade é um anseio da sociedade brasileira.

Três perguntas para...

Leonardo Isaac Yarochewscki

Advogado, doutor em ciências penais pela UFMG, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Como era a relação do conselho com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes?
Desde que o ministro assumiu ele vem desprezando e atropelando o conselho.

E faz isso porque os nomes que integravam o conselho eram contrários à sua postura. Eram contra o posicionamento de repressão e armamento como solução para os problemas penitenciários do Brasil. O grupo caminhava para uma postura mais sensível para a garantia dos direitos fundamentais. Demonstramos a preocupação com a cultura do encarceramento em massa, uma cultura que levou ao problema que enfrentamos hoje nas cadeias do país.

Houve tentativa de diálogo para achar um ponto comum entre o que o conselho pensava e o que o ministro pensava?
Não existiu a possibilidade de qualquer diálogo. O ministro desprezou as posições e análises feitas pelo conselho. Ele mudou o regimento para obter maioria. O ministério tem um Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mas, diante de uma crise como a que vivemos desde o final do ano passado, o ministro elabora um plano de segurança sem nem sequer ouvir esse grupo criado exatamente para isso, para avaliar as soluções e problemas do setor. Como aceitar um atropelo assim?

Como o senhor vê a situação do sistema penitenciário nos próximos meses? O que pode acontecer nas cadeias do país?
Os problemas vão se repetir. Não espero nada do novo governo. Continuando a política da repressão e do encarceramento em massa, o país vai continuar assistindo aos mesmos problemas.

 

 

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