Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados pode trazer um alívio financeiro para o caixa da União, estados e municípios brasileiros: tudo porque o texto autoriza o poder público a “vender” os créditos tributários inscritos na dívida ativa para bancos e empresas de cobrança. E não é pouco dinheiro. Estima-se que a União tenha mais de R$ 1,5 trilhão para receber, enquanto Minas Gerais é hoje credora de R$ 53 bilhões. A título de comparação, o Produto Interno Bruto (PIB) – que é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país – é de R$ 1,6 trilhão, segundo dados do IBGE do terceiro trimestre de 2016. Uma vez transferido o crédito – obviamente, com um deságio –, o novo credor terá pela frente a missão de tentar receber a dívida de milhões de brasileiros hoje inadimplentes com o fisco.
“A cobrança da dívida ativa pela estreita via da execução fiscal muitas vezes dificulta a recuperação de créditos, justamente por se submeter às formalidades dos procedimentos administrativo e judicial. O que se propõe é que a Fazenda Pública possa ceder a instituições financeiras esses créditos que ela própria tem dificuldade de recuperar, tornando mais econômica e eficiente sua cobrança pelo setor privado”, justifica o autor do projeto, deputado Vicente Cândido (PT-SP).
Para se ter uma ideia da dificuldade em receber o dinheiro, estudo do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea) indica que um processo de execução fiscal leva em média nove anos. Sem contar o custo de uma ação judicial, que às vezes é superior ao débito. Por isso, em alguns casos é adotado o critério de cobrança extrajudicial. Em Minas Gerais, débitos de até R$ 33 mil são protestados em cartório. No caso de dívidas não tributárias, o valor é R$ 15 mil.
Se o projeto for aprovado pelos deputados federais sem novas modificações, ao ser feita a transação entre o poder público e a instituição financeira, o devedor sai da lista de inadimplentes e poderá, inclusive, receber a certidão negativa de débitos fiscais. Assim como é feito pelo poder público, o novo credor também poderá oferecer acordos para o pagamento da dívida. No entanto, essa substituição de credor está vedada quando o devedor for o estado ou o município. Também não poderá haver a transferência quando o crédito tributário estiver com a exigibilidade suspensa por decisão judicial ou estiver sendo questionado na Justiça.
O texto está na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) e deve ser discutido a partir de fevereiro, quando será escolhido o relator. A expectativa na Casa é de que o projeto seja votado nos primeiros meses deste ano, até porque tramita em regime de prioridade – o que significa a dispensa de algumas exigências regimentais para agilizar a chegada ao plenário. Depois de aprovado na Câmara, o projeto ainda tem que passar pelo crivo dos senadores.
Regularize Enquanto o projeto não sai do papel, o poder público tenta como pode reaver pelo menos parte dos créditos, de forma a minimizar os prejuízos. O governo de Minas lançou em agosto de 2015 o programa Regularize, que traz uma série de incentivos para o pagamento das dívidas, o que inclui descontos de 20% a 50%. Até o final do ano passado, uma carteira de R$ 6,95 bilhões foi negociada por R$ 5,56 bilhões. Desse total, já foram pagos R$ 1,34 bilhão em dinheiro e R$ 752 milhões em créditos acumulados de ICMS. Outros R$ 3,46 bilhões foram parcelados.
De acordo com informações da Secretaria Estadual da Fazenda, somente em 2016 foram solucionados R$ 4,2 bilhões em débitos tributários na fase administrativa ou dívida ativa. Com as reduções previstas no Regularize, a arrecadação chegou a R$ 3,7 bilhões, R$ 2,5 bilhões em débitos pagos na fase administrativa e R$ 1,2 bilhão já inscritos na dívida ativa. Os pagamentos à vista ou entradas prévias de parcelamentos representaram R$ 935 milhões. Aderiram ao programa 60.817 devedores.
O programa mineiro prevê que até 60% do total da dívida pode ser pago com créditos acumulados de ICMS. O restante deve ser quitado em moeda corrente em até 36 parcelas, mas desde que cada uma tenha o valor mínimo de R$ 5 mil. Os precatórios emitidos pelo governo mineiro também podem ser usados no pagamento de até 60% de débitos inscritos em dívida ativa há pelo menos um ano.