Nos primeiros anos após a promulgação da Constituição de 1988, muitos cientistas políticos temiam que a combinação de presidencialismo com multipartidarismo não funcionaria de jeito nenhum. A avaliação era que um presidente não conseguiria governar tendo de negociar com um Congresso disperso e fragmentado. Hoje, porém, está claro que o presidente consegue não apenas governar formando coalizões, mas também dominar a pauta legislativa de maneira quase hegemônica.
O fenômeno entrou em pauta nas discussões sobre a eleição da nova Mesa Diretora da Câmara marcada para a próxima quinta-feira. Ao lançar sua candidatura no início do mês, o deputado Rogério Rosso (PSD-DF) criticou o fato. Para analisá-lo, o Estadão Dados compilou a autoria de todas as 5.719 leis aprovadas de 1989 até hoje, com base nos registros do Congresso. Os dados mostram que, até meados do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), cerca de três a cada quatro novas leis tiveram o Executivo como autor - taxa que permaneceu no mesmo patamar nesse período.
Desde então, entretanto, o porcentual passou a cair de maneira quase constante. De janeiro a maio de 2016, antes de Dilma Rousseff ser afastada, a proporção chegou ao menor valor da série: 26%.
"Naquela época esse era um padrão que a gente identificava. Mas, de fato, os números mudaram", afirma o autor do estudo, o pesquisador Acir Almeida. Segundo ele, há uma hipótese que se mostra consistente ao longo do período para explicar a mudança. "A dominância legislativa pelo Executivo varia em função das preferências da coalizão do governo. Na era PT, a base do governo no Congresso era bastante heterogênea, e era mais difícil que os projetos apresentados pelo governo agradassem a toda a base. Assim, os congressistas apresentavam mais seus próprios projetos."
A lógica é que, quando as preferências de deputados e governo se alinham, é mais fácil que os principais projetos venham do governo, que tem mais ferramentas para determinar a pauta e fazer com que as propostas sejam analisadas mais rapidamente - como, por exemplo, usando medidas provisórias.
Coalizão
Essa explicação é corroborada pela pesquisa do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele e dois outros pesquisadores analisaram a ideologia de congressistas desde 1988 e descobriram que os períodos com maior dominância do Executivo coincidem com os governos em que a coalizão governista é mais homogênea.
"A coalizão de Temer é a mais homogênea e mais proporcional desde a redemocratização, e, além disso, a preferência mediana de seu gabinete se aproxima bastante da preferência mediana do Congresso, o que não ocorria desde FHC. Isso faz com que Temer tenha menores custos de governo e consiga obter um grande apoio legislativo", disse Pereira.
A hipótese também é levantada por Antonio Queiroz, diretor do DIAP (Departamento Intersindical de Análise Parlamentar). "O governo do PT tinha conflito de agenda com o Parlamento. Isso exigia um carinho muito especial, além de cargos e emendas. (Os governos do PT) tinham um conteúdo que conflitava com maioria dos partidos da base", afirma.
Líderes partidários também endossam a tese. "O governo atual está mais de acordo com o pensamento da maioria do Congresso, que é conservadora. Também no caso do FHC, a maioria do Congresso correspondia socialmente ao governo", afirmou Carlos Zarattini, líder do PT na Câmara.
Outra diferença citada está no caráter reformista das gestões FHC e Temer. "Quando você está em um momento de dificuldade, normalmente é preciso ter urgência. FHC precisava proporcionar crescimento ao País. E Temer precisa colocar o Brasil de pé", afirmou o líder do PSDB, Ricardo Tripoli..