O Ministério Público Estadual (MPE) investiga um esquema de fraude de cursos e diárias com viagem em pelo 32 câmaras municipais da Região Sudeste, 22 em Minas Gerais e 10 no Espírito Santo (veja mapa). Até agora, já foram denunciados vereadores e servidores públicos de Serrania, no Sul de Minas, onde o MP estima um desvio de cerca de R$ 280 mil, e de Soledade de Minas. No Espírito Santo, inquéritos abertos pelo MP local investigam algumas câmaras municipais.
Fabiano Dias Moreira e Emerson Moreira de Souza, servidores da Câmara Municipal de Serrania, e Luiz Ricardo Silva Martins, donos da empresa Inovar Cursos e Treinamentos em Gestão Pública e Comércio Varejista de Equipamentos e Suprimentos de Informática Ltda., estão entre os principais investigados. Os dois primeiros foram afastados do cargo no começo deste ano pela Justiça, sob a acusação de oferecer cursos fictícios ou com tempo de duração inferior ao proposto para que vereadores e servidores públicos dos municípios participantes recebessem diárias e indenização de despesas de viagens.
Os dois servidores da Câmara também receberam algumas vezes diárias de viagem para se deslocar para as cidades onde os cursos seriam ministrados. Também são investigados os vereadores reeleitos de Serrania João Batista da Silva (PP), conhecido como João do Ônibus, José Reis Garcia (PSD) e Elton Bueno dos Santos (PSDB), que na época era vereador e hoje é vice-prefeito.
Eles foram afastados do cargo por período indeterminado e sem remuneração, em razão de outra denúncia referente ao uso excessivo e fraudulento de diárias. Essa denúncia das diárias também foi embasada em informações obtidas no inquérito que investigava os cursos da Inovar. Em Soledade, além dos sócios da Inovar, foram denunciados pelo MP os ex-vereadores Pedro Carlos Carreira (PTB), Argemiro Constâncio (PSD), Altair Alves Pereira (DEM) e Ataíde Vieira Maciel Filho (PPS), único reeleito no ano passado.
SIGILO Os donos da Inovar são acusados pelo MP de fraudar os certificados de participação para dar uma fachada de legalidade nos supostos cursos e de serem contratados sem licitação.
De acordo com a promotora, a Inovar “tinha e tem por finalidade (eis que ainda se encontra em plena atividade) realizar palestras, cursos e seminários, única e exclusivamente, a vereadores e servidores de câmaras municipais, sem qualquer participação de particulares, ministradas sempre e sem qualquer exceção, pelo denunciado Fabiano, formado em contabilidade, independentemente do tema proposto, em hotéis específicos localizados nas cidades de Belo Horizonte, Brasília e Governador Valadares, muito embora a sede da empresa seja a cidade de Serrania, com período de duração de quatro a cinco dias, somente no período da manhã, desconsiderando os princípios mínimos de economicidade, eficiência e moralidade, e com inscrições integralmente custeadas com dinheiro público”.
A partir da investigação, a promotora elaborou uma lista de todos os cursos e de quais câmaras teriam participado. Algumas chegaram a fazer os cursos por mais de uma vez. Nem todos os vereadores participaram. Segundo ela, toda essa documentação vai ser enviada para a Coordenação do Patrimônio Público do MP na capital para que sejam abertos procedimentos de investigação nas câmaras citadas na investigação.
A reportagem tentou contato com os vereadores e com o comando das Câmaras de Soledade de Minas e também de Serrania, mas ninguém respondeu ao pedido de entrevista feito telefone e por e-mail. Os donos da Inovar também não foram localizados no telefone da empresa que consta no site da Receita Federal. O vice-prefeito de Serrania foi procurado em seu gabinete, mas também não retornou o pedido de entrevista deixado com a chefia de gabinete.
Ligações revelaram golpe com palestras
Entre 2013 e 2016, a Inovar teria ministrado 44 supostos cursos nas cidades de Belo Horizonte, Brasília e Governador Valadares. A partir da quebra do sigilo telefônico dos servidores afastados da Câmara de Serrania e também proprietários da empresa, foram levantadas as ligações feitas nas datas em que teriam ocorrido os cursos, indicadas nos folders de divulgação. Com as conversas, explica a promotora de Justiça Gisele Stela Martins Araújo, foi constatado que Fabiano Dias Moreira, tido como responsável pelas palestras, permanecia no local dos cursos por período muito inferior ao divulgado ou muitas vezes nem sequer aparecia.
A inscrição nos cursos e o pagamento das despesas dos vereadores eram custeados pelas câmaras municipais e variavam entre R$ 400 e R$ 550 por participante. “Dessa forma, os denunciados auferiam vantagem ilícita em decorrência do recebimento das inscrições, repita-se, custeadas com dinheiro público, ao passo que também possibilitavam que os participantes envolvidos na fraude lograssem receber diárias e reembolso de despesas com deslocamento sem qualquer compromisso com a verdade ou com o interesse público, já que não havia qualquer contraprestação de serviços”, diz a denúncia assinada pela promotora. Os vereadores muitas vezes recebiam diárias de viagem antecipadas, não compareciam ao local e ainda apresentavam relatório de viagem e certificados falsos de participação, acusa o MP. Em Belo Horizonte, por exemplo, foram promovidos 28 cursos pela empresa Inovar, “sendo que todos eles apresentaram a ocorrência de falsidade ideológica”.
INQUÉRITO Nesses cursos participaram as câmaras de Itanhandu, Baependi, Santa Vitória, Jesuânia, Jenipapo de Minas, São Miguel do Anta, Boa Esperança, Baependi, Guaxupé, Pouso Alto, Cabo Verde, Marilândia, Santa Vitória, Conceição da Barra de Minas e das cidades capixabas de Anchieta, Baixo Guandu, São Francisco, Rio Bananal e Sooterama. Nessa última cidade, já existe um inquérito aberto para apurar a participação dos vereadores nos cursos da Inovar.
De acordo com a denúncia, em 2015, os cursos escassearam, mas um chegou a ser promovido pela Inovar em Brasília. Dele teriam participado alguns vereadores de Conceição da Barra de Minas e de Carmo do Rio Claro.
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