Caos na segurança deixa turistas em alerta no Espírito Santo

Agências de viagem de BH acreditam que chegada da Força Nacional pode controlar onda de violência e devolver tranquilidade às praias capixabas

Flávia Ayer
Integrantes do exército começaram a patrulhar as ruas de Vitória - Foto: WILTON JUNIOR

A sensação de insegurança permanece em Vitória e cidades da região metropolitana, embora a presença de homens do Exército e da Força Nacional tenha devolvido um pouco da confiança dos moradores e turistas. A a onda de violência provocada pela paralisação da Polícia Militar (PM) deixa em alerta as agências de turismo em Minas, que monitoram a situação nas praias do Espírito Santo, um dos principais destinos dos mineiros. Uma empresa desistiu de organizar excursão para Guarapari no carnaval por causa da barbárie.

O movimento nas ruas da capital capixaba aumentou em relação à segunda-feira, mas ainda está longe de ser típico de um dia normal.
Parte do comércio ficou fechada e as aulas permanecem suspensas. Os ônibus urbanos não circularam.

Com a presença do efetivo, as viagens do trem de passageiros da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), suspensas pela Vale na segunda-feira diante da onda de violência no estado, serão retomadas nesta quarta-feira. Na terça-feira, o trem circulou somente entre Belo Horizonte e Governador Valadares, no Leste de Minas, e de lá, retornou para a capital mineira.

Por causa da crise na segurança pública do Espírito Santo, com a paralisação da Polícia Militar, o governo federal autorizou o envio de 200 homens da Força Nacional e 1,2 mil homens das Forças Armadas para atuar no estado.

A empresa Excursões BH desistiu de organizar sua tradicional excursão para Guarapari, destino cobiçado por mineiros. “A gente ia ficar totalmente inseguro.

De alguma forma, somos responsáveis pelas pessoas que estão indo. Mesmo assim, tem gente que adora Guarapari e quer ir de todo jeito”, afirma a agente de turismo Meire Amaral Lopes. Normalmente, a empresa leva, no mínimo, um ônibus com 44 passageiros. “Estamos querendo colocar Porto Seguro no lugar”, informa.

A agência AC Turismo, com sede na capital mineira, está em compasso de espera. A empresa já tem 146 pacotes vendidos para suas excursões para Guarapari na folia momesca. “Se a viagem fosse hoje, já estaria cancelada. Mas estamos acompanhando. Os proprietários das pousadas estão cientes de que, se tiver cancelamento por esse motivo, eles vão devolver o dinheiro”, afirma o dono da agência, Antônio Carlos Souza. O pacote com transporte e hospedagem por cinco dias custa R$ 580 por pessoa.

Ele prefere tratar a situação com cautela. “Na época da tragédia de Mariana, falaram que Guarapari tinha virado lama e não teve nada disso. O Exército está chegando ao Espírito Santo e estou confiante que vamos embarcar dia 24”, reforça. Até agora, quatro clientes haviam pedido para cancelar a viagem, mas foram convencidas a aguardar até a próxima semana. “Não vou de forma alguma colocar minha vida e dos meus clientes em risco”, diz.

O Serviço Social do Comércio de Minas Gerais (Sesc-MG) tem quatro excursões programadas para hotéis da rede em Guarapari e Praia Formosa, ambos no Espírito Santo.
A assessoria de comunicação da entidade informou que as viagens estão mantidas. O Sesc-MG está monitorando a situação nas praias capixabas para avaliar o que será feito e reforça que preza pela segurança dos turistas. As viações Gontijo e a São Geraldo, que fazem a rota entre cidades mineiras e capixabas, não tiveram qualquer alteração na saída de ônibus. A Itapemirim não retornou o contato.

Greve ilegal


O movimento grevista, iniciado no fim de semana, foi considerado ilegal pela Justiça, que determinou aplicação de multa diária de R$ 100 mil às associações de classe dos militares. A categoria reivindica reajuste salarial e denuncia falta de pagamento de auxílio-alimentação, adicional noturno e por periculosidade, além de más condições da frota de veículos empregada no patrulhamento.

Mulheres e outros familiares de PMs fazem piquete em frente aos batalhões na Grande Vitória e em cidades do interior para impedir a saída dos policiais e de carros e protestar contra o governo – que não aceita negociar enquanto os PMs não voltarem a seus postos. No fim da tarde, grupos de moradores contrários à greve entraram em confronto com as famílias dos policiais. Homens do Exército precisaram intervir.

“Os efeitos são desastrosos. Quem deveria estar cuidando da população não está cuidando. Quando as polícias não funcionam, temos que recorrer a recursos federais, até que a gente possa retomar a normalidade”, disse na segunda-feira o secretário de Segurança, André Garcia. Ele ressaltou que o estado não tem condições financeiras de dar aumento aos PMs e não pode ceder à pressão dos protestos.

“Independentemente da pauta, se é justa ou não, tem que ter policiamento na rua”, afirmou.

 

Cenas de Filme de Terror

 

 

“A coisa está mais assustadora do que filme de terror. Está pior que a ficção. Situações que já vi em filmes e nunca achei que virariam realidade.” Vinda do cineasta Rodrigo Aragão, de 40 anos, morador de Guarapari, a análise sobre a explosão de violência no Espírito Santo, provocada pela greve dos policiais militares, é de dar pânico. Sucesso no exterior e chamado de “expoente do medo” por revista especializada, Aragão é um dos principais nomes do cinema de terror do Brasil, sendo considerado o novo “Zé do Caixão”.

No sobrado onde mora no vilarejo de Perocão, que pertence a Guarapari, ele cria monstros terríveis, feitos em moldes de gesso. São capetas, chupacabras, zumbis, mas Aragão tem se assustado mesmo é com o que tem visto fora de casa. “É muito estranho ver a ruas desertas em plena luz do sol. Pessoas andando desconfiadas uma das outras. Nunca pensei ver isso ao vivo”, conta o cineasta, que, por causa da insegurança –postos de gasolina, por exemplo, estão fechados – precisou cancelar viagem a trabalho, na segunda-feira.

“Só no meu bairro 10 lojas foram assaltadas, levaram tudo. Ouvi dizer de gente amassando a cabeça de outro com pedra”, conta. Um roteiro real que parece ter vindo das telas do cinema, na avaliação de Aragão. “O filme O dia do expurgo fala sobre uma sociedade em que por um dia as pessoas podem cometer qualquer crime, como uma válvula social. E estamos vendo isso, pessoas de bem, com família, cometendo crimes porque não vai ter represália”, comenta.

No roteiro de O dia do expurgo, dirigido por James DeMonaco e titulado no Brasil como Uma noite de crime, o governo norte-americano constata que suas prisões estão cheias para receberem novos detentos e cria lei permitindo todas as atividades ilegais durante 12 horas. Esse período é marcado por milhares de assassinatos, linchamentos e outros atos de violência por todo o país.

E não faltam filmes de terror que se assemelham aos últimos dias vividos pelos capixabas. “Está igual a esses filmes de zumbis, como The Walking Dead em que há extermínios e pessoas se trancam em casa”, afirma. O cineasta acredita que a situação tende a se disseminar pelo país. “Há grandes chances de se espalhar para outros estados. É uma contaminação que prolifera e acho que se mostrou como a nossa sociedade é primitiva. Como precisamos de oficiais armados nas ruas”, reforça o autor dos longas Mangue negro (2008), A noite do chupa-cabras (2011), Mar negro (2013) e As fábulas negras (2014). “Essa explosão de violência extrapolou meus roteiros”, diz. .