Brasília – Com maioria no Congresso, é bem provável que o governo consiga aprovar a reforma da Previdência até o meio do ano. A dúvida é até que ponto ele terá que ceder para que isso ocorra, apesar de o texto ter muita “gordura para queimar”, como disse, recentemente, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Embora o Palácio do Planalto ainda não tenha deixado claro o que está em jogo e o que é intocável, praticamente todos os pontos sofrerão ataques – não apenas da oposição, mas também da base aliada.
“O governo certamente já propôs com alguns pontos que sabia que teria que negociar, porque é uma reforma muito dura”, avalia o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Queiroz. No total, até 332 dos 513 deputados podem gerar dificuldades para a aprovação do texto na Câmara por integrarem bancadas de peso que pretendem entrar na briga. A começar pela sindical, que conta com 43 deputados na Casa, em geral, críticos à integralidade do texto sugerido pelo governo. “A bancada sindical é forte e vai atacar a proposta inteira. Com certeza, é a que mais vai se opor”, diz Queiroz.
Um dos principais pontos que terá resistência por parte do grupo é a regra de transição a partir do critério de idade. Se depender do governo, apenas mulheres acima de 45 anos e homens de 50 ou mais entrarão na regra de transição, que estabelece um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para a aposentadoria no momento em que a emenda for promulgada. O ponto é tão controverso que até o relator Arthur Maia (PPS-BA) já disse que não vai ficar como está. “Tem que ser melhor avaliada”, afirmou. Conhecido por ser extremamente governista, o presidente da comissão, Carlos Marun (PMDB-MS), também contrariou o texto ao dizer que não acha razoável trabalhar dos 16 aos 65 anos, sem interrupção, para conseguir a aposentadoria integral, como propõe a PEC.
O cálculo da aposentadoria para ter direito à integralidade, que exige 49 anos, também deve ser revisto por pressão da bancada sindical, aposta o diretor do Diap. “A questão da desvinculação de benefícios como a pensão do salário mínimo também tende a mudar por pressão do grupo, mas provavelmente terá apoio de vários outros segmentos, porque atinge a todos. Sabemos que cada segmento vai lutar para amenizar os efeitos na categoria que representa”, afirma Queiroz. A pressão pode ser maior depois que passar na comissão, acredita uma assessora jurídica da Câmara. “Acredito que, na comissão, tem voto para passar tranquilamente, mas tem muito grupo de pressão dentro da Câmara, em geral”, disse.
Uma das bancadas mais fortes, a ruralista, também não está nada satisfeita com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287 como foi sugerida. Mais de 200 deputados com vínculos com o agronegócio podem se envolver ativamente na discussão. A demanda, no caso deles, será em torno de dois pontos principais. Em primeiro lugar, se o trabalhador rural tiver que contribuir, como propõe o governo, o empregador terá que registrar a carteira de trabalho. “Setores da bancada certamente vão resistir a isso”, afirma Queiroz. Outro aspecto é a retirada da isenção da contribuição previdenciária sobre receitas decorrentes de exportação do agronegócio. O governo quer acabar com esse benefício, que em 2016 representou uma renúncia fiscal de R$ 7,2 bilhões, o que também desagrada o grupo. Integrante da bancada e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Nilson Leitão (PSDB-MT) já garantiu que “com certeza” a proposta será alterada.
Atividade de risco
Outro grupo de pressão que já mostra força é o dos policiais, representados, no Congresso, pela bancada da bala. Durante protesto feito pela categoria, na última quarta-feira, mais de 20 deputados saíram da Câmara para se unir aos manifestantes. Entre eles, o Cabo Sabino (PR-CE), que, apesar de fazer parte da base do governo, garante votar contra a proposta. “Mesmo sendo aliado, antes de chegar nesta Casa, eu vesti a farda da PM, com honra e alegria. Uma vez policial, sempre policial. Não é porque a PM está fora que nós vamos votar a favor. Independentemente de qualquer inserção ou retirada dos policiais, votarei contra”, anunciou Sabino, que é um dos suplentes indicados para a comissão especial que analisa a matéria na Câmara.
A bancada da bala, que defende os interesses dos profissionais de segurança pública, conta com 37 deputados, grande parte igualmente disposta a jogar pesado contra a PEC. O objetivo, no entanto, também é pontual: tirar todos os policiais do texto e manter a aposentadoria especial por atividade de risco, como é feito hoje. No enviado pelo governo, apenas Forças Armadas, policiais militares e bombeiros foram excluídos das novas regras, o que abre precedente para que todos os grupos reclamem. O mesmo tipo de reclamação deve vir dos deputados que representam os professores, a quem também foi negada a aposentadoria especial.
Com apenas uma mulher na comissão, a bancada feminina, embora sub-representada – assim como em todo o Legislativo – também está organizada. No início da tarde de quarta-feira, enquanto os policiais ainda se organizavam fora do Congresso, dezenas de mulheres se reuniam no plenário 2 da Câmara com o mesmo objetivo: protestar contra a reforma. Embaladas por gritos de “nenhum direito a menos”, representantes de várias organizações de defesa dos direitos das mulheres saíram de lá com a promessa de novas mobilizações nos próximos dias. Uma das principais mudanças que elas demandam é afastar a equiparação entre homens e mulheres em termos de idade. Na avaliação do coordenador do Núcleo de Análise Política da Prospectiva Consultoria, Thiago Vidal, a bancada feminina terá um papel “muito importante” na batalha. “A manifestação da semana passada já mostra isso, foi bem expressiva. É uma linha de partida do que a gente vai ver acontecer nas próximas semanas”, acredita.
Enquanto isso... ...aliados em xeque
É consenso entre os especialistas: aprovar a reforma da Previdência será mais difícil que a PEC do Teto dos gastos. “A briga vai ser boa, porque é um tema muito sensível, em termos sociais. Os deputados que são do governo, mas são professores, por exemplo, serão críticos. É quem dá voto para eles, não tem como ir contra a base eleitoral”, explicou uma assessora jurídica da Câmara. O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), por exemplo, é da base governista, mas tem bandeira eleitoral voltada para a defesa dos direitos dos aposentados. Embora, segundo o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o governo tenha apoio de 88% do Congresso, a base aliada também tem vários pontos de insatisfação em relação à proposta. Ser governista não garante voto a favor da proposta como foi enviada.