Favorável ao projeto, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, defende a adoção de restrições no caso das culturas de soja e milho, por exemplo. A preocupação é que fundos estrangeiros adquiriram parcela substancial da área destinada a essas culturas e, em determinado ano, em função de preços mais baixos no mercado internacional, decidam não plantar. “Isso seria um caos. Não é proibir. Pode-se exigir uma produção anual ou que o produtor não pare de um ano para outro. Parece-me que quem é o dono da terra é o que menos importa. A terra é brasileira, está aqui, não vai embora, ninguém vai levar. O uso da terra é o que importa nesse negócio.”
Já o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), acredita que a proposta, além de colocar em risco a soberania nacional, também envolve uma questão de soberania alimentar. Para ele, em médio prazo, isso pode colocar em risco a produção de alimentos para a sociedade brasileira. “O país pouco a pouco pode ficar na mão de estrangeiros. A quem interessa essa liberação? É fundamental proteger o futuro e a alimentação da nossa população”, ressalta. Newton Cardoso admite que essa é uma preocupação futura, mas ressalta que o Brasil “já produz mais do que a demanda local”. “Não temos escassez de qualquer produto agrícola. Se, em algum momento houver uma mudança da realidade, o governo dispõe de regras para controlar isso, por exemplo, aumentando a taxação sobre a exportação de produtos agrícolas”, comenta.
Pressão sobre o código florestal
O coordenador da Frente Ambientalista também demonstra receio com o incentivo ao desmatamento e a devastação dos biomas brasileiros que a mudança na lei pode causar. De acordo com Molon, a aquisição de terras será usada para expandir a fronteira agrícola e isso será uma ameaça às áreas de preservação e proteção dos povos originários. “Com certeza, vai aumentar a pressão para que o Código Florestal seja ainda mais deformado. É um risco que não podemos correr.”
O coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini, concorda que a proposta traz riscos para a preservação do meio ambiente e proteção dos povos indígenas. “O Brasil tem problema fundiário muito grande, principalmente no Norte. O desconhecimento e o descontrole de quem são as terras causam disputas violentas entre índios e grileiros. Já não se consegue tomar conta dessas áreas, imagina com uma pressão extra? Esse tipo de prática vai aumentar o desmatamento e as mortes em conflitos na Amazônia e no cerrado”, prevê.
Em uma palestra no fim do mês passado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, rechaçou a hipótese de o projeto atingir comunidades tradicionais. “Eventuais prejuízos, por exemplo, a quilombolas e comunidades indígenas, não existem porque essas são objeto de legislação específica. O fato de você ter comprando um investidor que não é cidadão brasileiro ou um grande investidor brasileiro, uma grande empresa de agronegócio brasileira ou estrangeira não é o que vai fazer diferença exatamente para o interesse das comunidades”, disse. Procurados, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, não foi encontrado e o do Meio Ambiente, Sarney Filho, preferiu não se manifestar.
O que está em jogo
O governo pretende alterar as regras para aquisições de propriedades rurais para pessoas físicas ou jurídicas internacionais. Confira as mudanças:
Como era, segundo a Lei 5.709 de 1971?
» O estrangeiro não podia exceder a 50 módulos fiscais* de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua. Inclusive empresas brasileiras com controle acionário estrangeiro.
» Quando se tratava de imóvel com área não superior a três módulos, a aquisição era livre, sem a necessidade de autorização ou licença do Conselho de Segurança Nacional. Em áreas entre três e 50 módulos, era necessária a autorização.
» A soma das áreas rurais de estrangeiros não podia ultrapassar um quarto da superfície dos municípios onde se situem.
O que houve?
Em 1998, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer para restringir a ação alegando, baseada em dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que indicavam que o governo perdera o controle sobre a aquisição e o arrendamento de terras.
Em 2007, diante da possibilidade do desenvolvimento do biocombustível, o governo criou um grupo de trabalho para rever o parecer e abriu novamente a possibilidade de venda de propriedades.
Em 2010, a partir de um receio em relação a uma invasão estrangeira, principalmente de grupos chineses, o governo, por meio de um novo parecer da AGU, restabeleceu as restrições alegando ameaça à soberania nacional.
Como está hoje?
Pessoas jurídicas podem adquirir livremente propriedades de até três módulos rurais e físicas de até 20 módulos sem autorização do governo.
A legislação
O projeto de lei mais antigo que tramita na Câmara dos Deputados sobre o assunto é o PL 2289/2007, de autoria do deputado Beto Faro (PT-PA). A ele, estão apensadas outras seis proposições, entre elas a 4059/2012, que praticamente não impõe restrições à prática.
*O módulo fiscal é contado em hectares e o tamanho depende da extensão de cada município.