Indicação política gera deficiência em tribunais de contas, avalia procurador

Júlio Marcelo de Oliveira ficou conhecido por ser o autor da representação que levou à reprovação das contas de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff

Denise Rothenburg Leonardo Cavalcanti (Enviado especial) Lívia Monteiro
Procurador Júlio Marcelo de Oliveira: Há conselheiros que nem sequer têm o segundo grau, ou não têm formação em nenhuma área afim da administração pública, como é o caso de dentistas e veterinários - Foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press - 13/5/16

Procurador de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira ficou conhecido por ser o autor da representação que levou à reprovação das contas de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff por fraude fiscal.

Atual presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas, ele agora também é procurado para analisar temas não menos espinhosos, como a ação da Polícia Federal contra conselheiros do TCE do Rio, algo que, se analisado em maior escala, também ocorre no TCU.

O senhor imaginava que as investigações da PF atingiriam os Tribunais de Contas?

Sim, pois há muito tempo vislumbramos omissões graves nas fiscalizações nos Tribunais de Contas, como nos casos específicos das obras pré-Copa do Mundo e pré-Olimpíadas no Rio. Já havia notícias de que o outro conselheiro, Jonas Lopes, estaria negociando uma delação premiada que forneceria informações que levariam a esse desfecho.

Além disso, generalizadamente no Brasil há uma deficiência na atuação dos Tribunais de Contas decorrente da forma atual de indicação dos seus membros. A Constituição desenhou um modelo bonito no papel, pessoas com notórios saberes em administração, economia, contabilidade e direito, mas a experiência histórica é que as assembleias legislativas indicam pessoas políticas do governador, pessoas que estão comprometidas em não fiscalizar.

Há conselheiros que nem sequer têm o segundo grau, ou não têm formação em nenhuma área afim da administração pública, como é o caso de dentistas e veterinários. É natural que esses órgãos não estejam funcionando bem diante de uma regra de composição que não deu certo.

Mas isso não é um problema apenas dos TCEs, mas do TCU...


Nesse desenho ruim de indicações políticas, a gente pode dizer que o quadro no TCE se agravou primeiro, ou é mais grave que no plano federal.

Mas o fato é que há problemas nos planos federais também. E essas investigações da Operação Lava-jato vão buscar isso e estão mostrando isso. A gente vive em um país com o quadro de corrupção sistêmica e a gente não vai imaginar que só o TCU estaria livre dos tentáculos da corrupção.

É possível que outros órgãos, inclusive do Poder Judiciário, também tenham comprometimento com esse esquema de corrupção.
As investigações estão em curso, vamos aguardar os resultados, mas nós não temos ilusões de que há algum órgão isento da possibilidade de estar contaminado.

Há uma blindagem no Judiciário?
A dificuldade de avanço nessa fronteira, a meu ver, reside mais na questão do foro privilegiado. O que faz com que tudo fique mais lento. O fato de ter que afunilar e passar pela PGR e pelo Supremo contribui para a lentidão desses procedimentos em relação a ministros dos tribunais superiores.

Como fazer para acabar com o foro privilegiado diante de uma classe política que não quer abrir mão dele?

É difícil as pessoas abrirem mão de privilégios, mas, para mim, o que será talvez o norte para acabar com o foro privilegiado é quando ele passar a ser visto como algo tão anacrônico e ridículo. Chamo o foro privilegiado de “desaforo dos privilegiados”. Porque é uma criação de uma sociedade de castas.

A nossa sociedade já tem maturidade para conviver e ser uma sociedade de iguais.

Há uma tentativa política de tentar punir quem mais tem combatido a corrupção no país? Sem dúvida, como aquela votação no final do ano passado na Câmara dos Deputados que deformou completamente o projeto das 10 medidas contra a corrupção e acabou sendo um projeto de abuso de autoridade, desviado para punir quem investiga e quem julga.

Não era só para os membros do Ministério Público, mas também para os juízes de primeiro grau que condenarem e tiverem sua decisão reformada. Aquilo mostra um sentimento e um espírito de retaliação contra quem está investigando.

É uma tentativa de intimidar, frear investigações e de manter status quo do sistema político.

Como se muda o sistema de escolhas para cargos de conselheiros e ministros nos tribunais de Contas?

Há várias PECs tramitando no Congresso para reformar Tribunais de Contas. Para nós, este é o ponto número um em nossa pauta, ao lado da autonomia do MP de Contas, que é o único ramo do MP que ainda não tem autonomia. Dependemos materialmente dos tribunais de Contas para atuar.

A nossa proposta, a PEC 329/2013, que foi acolhida pela frente parlamentar anticorrupção do Congresso, propõe que os conselheiros dos tribunais de Contas sejam todos oriundos de carreiras técnicas, majoritariamente da carreira de conselheiro substituto.

Nos TCEs, que são sete conselheiros, quatro viriam dessa carreira; um continuaria vindo do Ministério Público de Contas; um escolhido entre os auditores de controle externo, que tem mais experiência, compromisso e projeção entre os colegas; o outro viria rotativamente da fiscalização das profissões envolvidas com controle externo e este seria um mandato.

Como será feito em relação ao cenário do Rio?
O que permite que o tribunal não pare de funcionar é justamente essa carreira do conselheiro substituto. Existem os conselheiros substitutos concursados, então eles serão convocados pela conselheira que sobrou, Mariana Montebello, oriunda da carreira do Ministério Público de Contas. .