“Lá em casa, quando as minhas meninas tinham uma briga, eu perguntava:'Quem fez isso?' Talvez eu brigasse mais com quem dedurasse do que com aquele que fez o fato”. A resposta de Marcelo Bahia Odebrecht, de 48 anos, quando questionado em 2015, na CPI da Petrobras, se tinha intenção de fazer acordo de delação premiada, deixa clara a mudança de postura do hoje ex-presidente da maior construtora da América Latina após um ano e oito meses atrás das grades.
A conduta arrogante e inconformada do empresário, que já esteve entre os 10 mais ricos do Brasil, se transformou após sucessivas derrotas na Justiça (com habeas corpus negados sucessivamente) e da condenação a 19 anos e quatro meses por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa na Operação Lava-jato. Em dezembro, Marcelo resolveu contar em detalhes tudo que sabia sobre pagamentos ilegais que chegaram em nove anos a US$ 3,37 bilhões (mais de R$ 10 bilhões) para políticos de quase todos os partidos, empresários, lobistas, sindicalistas e até lideranças indígenas.
Ao atender o pedido do promotor para falar olhando diretamente para a câmera, Marcelo revela, com um certo ar de banalidade e distanciamento, os detalhes sobre negociações que ocorreram em gabinetes e salas de reuniões e de estar dos principais nomes da política nacional. “Não conheço nenhum político que consiga se eleger sem caixa 2. Isso não existe. O político pode até dizer que não sabia, mas o que disser que não recebeu caixa 2 está mentindo”, afirmou.
Ao longo das várias horas de depoimentos aos promotores e ao juiz Sérgio Moro, o empresário, que se permite até a divagar até sobre a institucionalização do caixa 2 nas campanhas eleitorais e cita a distribuição de dinheiro para partidos como forma de servir ao sistema político, admite que “ser um grande doador é sempre melhor” para manter as relações com os grupos influentes. “Pagar caixa 2 virou coisa tão comum que não era mais tratado como crime, era tratado como algo necessário. Fazia parte, já que o caixa 1 era uma parte muito pequena de nossa contribuição”, justificou Marcelo.
ASCENSÃO E QUEDA
Herdeiro de uma dinastia de empreiteiros, o engenheiro civil baiano Marcelo Odebrecht entrou na empresa da família logo ao se formar na Universidade Federal da Bahia, em 1992, e teve como primeiro trabalho a construção de um edifício em Salvador. Ambicioso e metódico, rapidamente tomou conta de outros projetos, como a construção de uma hidrelétrica em Goiás. Depois partiu para o exterior, trabalhou na montagem de plataformas de petróleo na Inglaterra e fez um MBA nos EUA.
Voltou ao Brasil no fim dos anos 1990 como uma das maiores referências do setor de petroquímica. Poucos anos depois, em 2002, assumiu a presidência da construtura Odebrecht. Aos 40 anos, em dezembro 2008, ele chegou ao topo do conglomerado da família, o Odebrecht S.A., com 15 empresas. Arrojado, avançou no setor de petroquímica com a consolidação da Braskem e abriu mais canteiros de obras para a empresa em 21 países.
Sob a gestão de Marcelo, a Odebrecht saltou de uma receita de R$ 38 bilhões, em 2009, para R$ 107 bilhões em 2014. O crescimento representou também uma participação cada vez maior no jogo político. Em seus depoimentos ele afirmou que doações e negociações com políticos são comuns na empresa há décadas, mas com o aumento da importância da construtora na economia aumentaram também as demandas de políticos por doações para campanhas.
“Até a década de 1980, os pagamentos não contabilizados eram feitas nas próprias obras. As empresas que queriam fazer os pagamentos não contabilizados faziam. A partir da década de 1990, se adotou o modelo que existe até hoje: gerar recursos não contabilizados e distribuir em off shores no exterior. O modelo então foi evoluindo para gerar eficiência fiscal e não ter riscos fiscais”, explicou Marcelo aos investigadores.
Em 2015, Marcelo apareceu na Revista Forbes como um dos mais ricos do Brasil, com fortuna estimada em R$ 13,1 bilhões. Desde sua prisão, em 19 de junho de 2015, quando os agentes invadiram o condomínio de luxo no Morumbi, Zona Sul de São Paulo, Marcelo passou por uma transformação. As ordens dadas aos outros diretores que dividiam cela na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, foram aos poucos dando lugar a uma postura mais humilde, sempre com cabeça baixa (segundo agentes policiais).
O empresário que afirmou que os delatores eram “dedos-duros” acabou obrigado a fazer o mesmo para evitar passar mais de 10 anos na prisão, longe da família e do conforto no qual estava acostumado. No acordo fechado com o Ministério Público Federal, os advogados de Marcelo conseguiram reduzir sua pena e ele deve ficar preso em regime fechado até dezembro deste ano.